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Ditadura - Evandro Teixeira mostrou em imagens o período mais sombrio da história brasileira

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A comoção gerada pela morte de Edson Luís no dia 28 de março de 1968, desde o enterro até a Missa de 7° dia, no dia 4 de abril de 1968, está registrada pelo olhar de Evandro Teixeira, fotojornalista que ingressou em 1963 no “Jornal do Brasil”, onde trabalhou por 47 anos, até 2010. As imagens da repressão ao movimento estudantil em 1968 estão entre os principais trabalhos deste que virou referência no campo do fotojornalismo mundial. 

Abaixo, ele compartilha um depoimento sobre a experiência que teve ao fotografar a missa de 7° dia do estudante, com detalhes sobre a brutalidade policial vista naquele dia: após a celebração na Igreja da Candelária, os fiéis foram atacados por policiais da Cavalaria da PM a golpes de sabre. Nem os padres conseguiram impedir a selvageria e, corajosamente, saíram na frente de mãos dadas formando um corredorpara que as pessoas chegassem em segurança até a Avenida Rio Branco. 

“O que sei é que, entre 64 e 68, não havia visto nada tão violento como passei a ver depois da morte do Edson”, testemunha o fotógrafo.

A missa de Sétimo Dia

Evandro Teixeira

Nós fomos para a Candelária e eu me lembro bem: fiquei no alto de um prédio de 13 andares de frente para a igreja. Nós estávamos ali em cima vendo a cavalaria chegar — eu e os outros fotógrafos e cinegrafistas. A PM chegou e começou a massacrar todo mundo que estava fora da igreja. Quem estava dentro se deu bem, mas quem estava fora foi massacrado. Nem o cordão dos padres que saíram em proteção dos manifestantes conseguiu conter o quebra-quebra. Eu vi o fotojornalista Alberto Jacob, do JB, ser totalmente arrebentado. Tomaram o equipamento dele, tudo. Quando a polícia se deu conta de que nós estávamos fotografando de lá de cima, começaram a atirar na nossa direção. Só que naquela época não havia bala de festim, era bala de verdade. Morreu, morreu. E ninguém ia saber que você morreu, nem sua família, nem o seu chefe, porque eles davam sumiço nos corpos. Foi por um pouco que os estudantes conseguiram manter o corpo do Edson Luís, porque se ele caísse na mão da polícia, talvez não tivesse se tornado o símbolo que se tornou. Saímos para o edifício ao lado da sede da “Revista Seleções”. Para mandar o filme para a redação, tive que colocá-lo num envelope dentro da calcinha de uma repórter da revista. Eles revistavam e pediam a identidade de todos. Não tinha outro jeito de sair dali com aqueles filmes. E os jornais e seus funcionários não eram poupados do massacre. Ainda mais o “Jornal do Brasil” , que era declaradamente contra a ditadura e pagou caro por isso. 

Os estudantes faziam barricada na frente da redação, e isso deixava os militares putos. Era uma ajuda recíproca. Mas a pressão não vinha só de fora, vinha de dentro também com os censores. Para publicar foto, a gente fazia duplicata. Por exemplo, você conhece aquela foto “Abaixo a ditadura” do dia da passeata dos 100 mil? Era pra ter ido para a primeira página. Mas os censores perceberam a nossa euforia na volta da manifestação, tomaram a foto e sumiram com tudo. 

Ela só foi preservada porque existia uma cópia arquivada. O que foi publicado foi, o que não foi, acabou destruído nas ruas, tomado pelos militares, ou arquivado e está aí até hoje. O que sei é que entre 64 e 68 nunca tinha visto nada tão violento como passei a ver depois da morte do Edson. O clima do Rio era de guerra e terror. A gente trabalhava sob terror. Ninguém sabia se voltaria para a redação. Mas eu fotografava mesmo assim. Trabalha mesmo assim. Eu gostava de fazer aquilo porque era contra a ditadura. E a maneira de ser contra não era subindo em palanque, porque não era mais estudante, já tinha sido. Eu era jornalista, e burlava a censura por prazer.