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Coluna da Segunda - Um povo musical

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Estava aqui no meu canto, de frente para o Sumaré, ouvindo dois belíssimos discos que ganhei de Dia dos Pais. São duas pérolas da música popular brasileira. Uma delas traz Fernanda Takai cantando músicas do genial Tom Jobim, com produção e participação de Marcos Valle e Roberto Menescal. É bossa nova pura e Fernanda Takai, com arranjos de gente que sabe, faz lembrar as interpretações de Nara Leão. Ganhei também um disco maravilhoso de Sueli Costa, gravado ao vivo no Centro de Música Artur da Távola, na Tijuca. A grande compositora  é acompanhada pela sobrinha Fernanda Cunha, filha da Telma Costa (que morreu jovem), e por Áurea Martins. Que beleza! Imperdível. Emocionantes as regravações de sucessos como ‘Face a Face’, letra do Cacaso, e ‘Jura Secreta’, letra de Abel Silva. Não se espantem os que lêem essa coluna às segundas-feiras. Já explico por que estou falando de MPB. 

Nosso país é de uma musicalidade extraordinária. Temos autores e intérpretes em quantidade e qualidade extraordinárias. Temos o samba na veia, de Cartola a Noel Rosa de Oliveira. E uma MPB que é reverenciada na Europa e na Ásia, onde se compra tudo que nossos artistas produzem. É cada vez mais comum ouvir música brasileira como fundo de filmes franceses, espanhóis e alemães (os cineastas americanos já o fazem há muito tempo). E a partir dessa constatação, me surgiu uma grande interrogação. Como explicar que uma parcela desse povo sensível e musical se deixe encantar pelo discurso raivoso e obscuro do deputado Jair Bolsonaro? Alguns responderão de bate-pronto, vendo semelhança com a reação dos alemães nos anos 30 diante da ascensão de Adolf Hitler. Lembrarão que o país de Goethe e de Beethoven, deixou-se iludir pelo radicalismo dos nazistas. 

Seria esse o nosso destino? Poderia o Brasil embarcar num pesadelo fascista? Eu, cá com meus botões, não acredito. Bolsonaro, a meu ver, não tem nada a ver com o degenerado austríaco que, com seu carisma às avessas, galvanizou a Alemanha. O ex-capitão brasileiro é figura inconsistente. Só aparece bem nas intenções de voto porque se tornou uma opção extrema dos que estão decepcionados com a política tradicional. A exemplo do rinoceronte Cacareco que ganhou 100 mil votos nas eleições de 1959 em São Paulo, o ex-capitão é beneficiado pelo voto de protesto daqueles que já não acreditam na política como veículo de mudanças. Embora Bolsonaro esteja no exercício do sétimo mandato na Câmara, ele ainda consegue se exibir como um antipolítico por excelência. Costuma dizer que nunca exerceu cargo no Executivo, como se a inexperiência na gestão pública fosse ponto a favor. Trombeteia também a ignorância em relação à economia e a outros temas, certo de que o despreparo lhe dá votos.

Mas tudo indica que Bolsonaro bateu no seu limite. Tem hoje 18% dos votos definidos, que, por enquanto, não somam sequer 50% do total. O ex-presidente Lula, mesmo preso, pulou de 28% para quase 34%. Quem assistiu ao debate da Bandeirantes não fica surpreso com a estagnação do candidato do PSL, o nono partido de sua carreira.  Com uma gravata que brigava com o colarinho, o ex-capitão não escondia seu desconforto diante das câmeras. Pode ser que, em pequenas reuniões, ele consiga dar seu recado. Na TV, porém, Bolsonaro é um desastre. É inexpressivo e desarticulado. Fala baixo e mal e não consegue transmitir o mínimo de convicção. O rosto parece mirrado e o sorriso forçado. Se Hitler, com sua retórica agressiva e teatral, soube usar as transmissões de rádio ao vivo, o deputado do PSL não se sai nada bem na TV. Ele não só sumiu, como se mostrou incapaz de responder às críticas de Guilherme Boulos, do PSOL. Bolsonaro, na verdade, ficou perplexo e não teve resposta.

Creio, portanto, que, com seus exíguos 9 segundos de propaganda gratuita na TV e no rádio e o desempenho claudicante que deverá se repetir nos futuros debates, Jair Bolsonaro dificilmente vai se manter à frente nas pesquisas, sem a presença de Lula. Sua capacidade de conquistar novas adesões parece perto do esgotamento. Talvez acertem os analistas que o veem em processo de desidratação, fora do segundo turno. Se isso acontecer, será um desfecho coerente com a musicalidade de nosso povo. Quem gosta de Fernanda Takai e Sueli Costa não vota em radicais de direita.