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A marcha dos insensatos e a sua primeira vítima (III)

Mauro Santayana analisa momento político brasileiro

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Outro mito sobre o suposto comunismo do PT, é que Dilma e Lula, por revanchismo, sejam contra as Forças Armadas, quando suas administrações, à frente do país, começaram e estão tocando o maior programa militar e de defesa da história brasileira.

Lula nunca pegou em armas contra a ditadura. No início de sua carreira como líder de sindicato, tinha medo “desse negócio de comunismo” - como já declarou uma vez  - surgiu e subiu como uma liderança focada na defesa de empregos, aumentos salariais e melhoria das condições de classe de seus companheiros de trabalho, operários da indústria automobilística de São Paulo, e há quem diga que teria sido indiretamente fortalecido pelo próprio regime militar para impedir o crescimento político dos comunistas em São Paulo.

Dilma, sim, foi militante de esquerda na juventude, embora nunca tenha pego em armas, a ponto de não ter sido acusada disso sequer pela Justiça Militar.

>> A marcha dos insensatos e a sua primeira vítima (I)

>> A marcha dos insensatos e a sua primeira vítima (II)

Mas se, por esta razão, ela é comunista, seria possível acusar desse mesmo “crime” também José Serra, Aloisio Nunes Ferreira, e muitos outros que estão, hoje, contra o PT.

Se o PT tivesse alguma coisa contra a Marinha, ele teria financiado, por meio do PROSUB, a construção do estaleiro e da Base de Submarinos de Itaguaí, e investido 7 bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a  França, de vários submersíveis convencionais e do primeiro submarino atômico do Brasil?      

Teria, da mesma forma, comprado novas fragatas na Inglaterra, voltado a fabricar navios patrulha em nossos estaleiros, até para exportação para países africanos, investido na remotorização totalmente nacional de mísseis tipo Exocet, na modernização do navio aeródromo (porta-aviões) São Paulo, na compra de um novo navio científico quebra-gelo na China, na participação e no comando por marinheiros brasileiros das Forças de Paz da ONU no Líbano ?

Se fosse comunista, o governo do PT estaria, para a Aeronáutica, investido bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a Suécia, de mais de 30  novos caças-bombardeio Grippen NG-BR, que serão fabricados dentro do país, com a participação de empresas brasileiras e da SAAB, com licença de exportação para outros países, depois de uma novela de mais de duas décadas sem avanço nem solução ?

Teria encomendado à Aeronáutica e à Embraer, com investimento de um bilhão de reais, do governo federal, o projeto do novo avião cargueiro militar  multipropósito KC-390, desenvolvido com a cooperação da Argentina, do Chile, de Portugal e da República Tcheca, capaz de carregar até blindados, que levantou voo pela primeira vez, há poucos dias, como a maior aeronave já fabricada no Brasil ?

Teria comprado, para os Grupos de Artilharia Aérea de Auto-defesa da  FAB,  novas baterias de mísseis IGLA-S; ou feito um acordo com a África do Sul, para o desenvolvimento conjunto, com a DENEL Sul-africana, do novo míssil ar-ar A-Darter?

Se fosse um governo comunista, o governo do PT teria financiado o desenvolvimento, para o Exército, do novo Sistema Astros 2020, e recuperado financeiramente a AVIBRAS ?

Se fosse um governo comunista, que odiasse o Exército, o governo do PT teria financiado e encomendado a engenheiros dessa força, o desenvolvimento e a fabricação, com uma empresa privada, de 2.050 blindados da nova família de tanques Guarani, que estão sendo construídos na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais ?

Ou o desenvolvimento e a fabricação da nova família de radares SABER, e, pelo IME e a IMBEL, para as três armas, da nova família de Fuzis de Assalto IA-2, com capacidade para disparar 600 tiros por minuto, a primeira totalmente projetada no Brasil ?

Ou encomendado e investido na compra de helicópteros russos - lembremos que a Rússia é hoje um país capitalista -     e na   nacionalização de novos helicopteros de guerra da Helibras ?

Em 2012, o novo Comandante do Exército, General Eduardo  Villas Bôas, então Comandante Militar da Amazônia, respondeu da seguinte forma a uma pergunta,  em entrevista à Folha de São Paulo:

Lucas Reis:

• “Em 2005, o então Comandante do Exército, general Albuquerque, disse “o homem tem direito a tomar café, almoçar e jantar, mas isso não está acontecendo (no Exército). A realidade atual mudou?

General Villas Bôas:

• “Mudou muito. O problema é que o passivo do Exército era muito grande, foram décadas de carência. Desde 2005, estamos recebendo muito material, e agora é que estamos chegando a um nível de normalidade e começamos a ter visibilidade. Não discutimos mais se vai faltar comida, combustível, não temos mais essas preocupações.”

A outra razão que contribui para que o governo do PT seja tachado de comunista, e muita gente saía às ruas, no domingo, é a política externa, e a lenda do “bolivarianismo” que teria adotado em suas relações com o continente sul-americano.

Não é possível, em pleno século XXI, que os brasileiros não percebam que, em matéria de política externa e economia, ou o Brasil se alia estrategicamente com os BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), potências ascendentes como ele; e estende sua influência sobre suas áreas naturais de projeção, a África e a América Latina - incluídos países como Cuba e Venezuela, porque não temos como ficar escolhendo por simpatia ou tipo de regime - ou só nos restará nos inserir, de forma subalterna, no projeto de dominação europeu e anglo-americano? 

Ou nos transformarmos, como o México, em uma nação de escravos, que monta peças alheias, para mercados alheios, pelo módico preço de 12 reais por dia o salário mínimo ?

Jogando, assim, no lixo, nossa condição de quinto maior país do mundo em território e população e sétima maior economia, e nos transformando, definitivamente, em mais uma colônia-capacho dos norte-americanos?

Ou alguém acha que os Estados Unidos e a União Europeia  vão abrir, graciosamente, seus territórios e áreas sob seu controle, à nossa influência, política e econômica, quando eles já competem, descaradamente, conosco, nos países que estão em nossas fronteiras?

Do ponto de vista dessa direita maluca, que acusa o governo Dilma de financiar, para uma empresa brasileira, a compra de máquinas, insumos e serviços no Brasil, para fazer um porto em Cuba - a mesma empresa brasileira está fazendo o novo aeroporto de Miami, mas ninguém toca no assunto - muito mais grave, então, deve ter sido a decisão tomada pelo Regime Militar  no Governo do General Ernesto Geisel.

Naquele momento, em 1975, no bojo da política de aproximação com a África inaugurada, no no Governo Médici, pelo embaixador Mario Gibson Barbosa, o Brasil dos generais foi a primeira nação do mundo a reconhecer a independência de Angola.

Isso, quando estava no poder a guerrilha esquerdista do MPLA - Movimento Popular para a Libertação de Angola, comandado por Agostinho Neto, e já havia no país observadores militares cubanos, que, com uma tropa de 25.000 homens, lutariam e expulsariam, mais tarde, no final da década de 1980, o exército racista sul-africano, militarmente apoiado por mercenários norte-americanos, do território angolano.

Ao negar-se a meter-se em assuntos de outros países, como Cuba e Venezuela, em áreas como a dos “direitos humanos”, Dilma não faz mais do fez o Regime Militar brasileiro, com uma política externa pautada primeiro, pelo “interesse nacional”, ou do “Brasil Potência”, que estava voltada, como a do governo do PT,  prioritariamente para a América do Sul, a África e a aproximação com os países árabes, que foi fundamental para que vencêssemos a crise do petróleo.

Também naquela época, o Brasil recusou-se a assinar qualquer tipo de Tratado de Não Proliferação Nuclear, preservando nosso direito a desenvolver armamento atômico, possibilidade essa que nos foi retirada definitivamente, com a assinatura de um acordo desse tipo no governo  de Fernando Henrique Cardoso.

Se houvesse, hoje, um Golpe Militar no Brasil, a primeira consequência seria um boicote econômico por parte do BRICS e de toda a América Latina, reunida na UNASUL e na CELAC, com a perda da China, nosso maior parceiro comercial, da Rússia, que é um importantíssimo mercado para o agronegócio brasileiro, da Índia, que nos compra até mesmo aviões radares da Embraer, e da África do Sul, com quem estamos também intimamente ligados na área de defesa.  

O mesmo ocorreria com relação à Europa e aos EUA, de quem receberíamos apenas apoio extra-oficial, e isso se houvesse um radical do partido republicano na Casa Branca.

Os neo-anticomunistas brasileiros reclamam todos os dias de Cuba, um país com quem os EUA acabam de reatar relações diplomáticas, visitado por três milhões de turistas ocidentais todos os anos, em que qualquer visitante entra livremente e no qual  opositores como Yoani Sanchez atacam, também, livremente, o governo, ganhando dinheiro com isso, sem ser incomodados.

Mas não deixam de comprar, hipocritamente, celulares e gadgets fabricados em Shenzen ou em Xangai, por empresas que contam, entre  seus acionistas, com o próprio Partido Comunista Chinês.  

(segue)