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Vazio nas redações da minha vida

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Vão se esvaziando as redações da minha vida. Perdi, ontem, pela manhã, dois antigos companheiros, dois amigos de longa data e de lembranças inesquecíveis. Por isso, peço permissão aos leitores para deixar, por um dia, o esporte de lado. Preciso desabafar. E me despedir de Luís Carlos Mello e de Amauri Mello com o carinho e atenção que eles merecem.

Apesar do mesmo sobrenome, não eram parentes de sangue, mas irmãos no jornalismo, que praticavam com igual paixão e competência. Lulu, como era chamado em todas as redações pelas quais passou (e foram muitas), era mais doce, tranquilo, apesar de firme, quando necessário. Não me lembro de tê-lo visto levantar a voz uma vez sequer. Amauri era o oposto: sanguíneo, passional, por vezes, exagerado em sua criatividade inesgotável. Mas também sabia ser gentil e atencioso. E ambos executavam o trabalho na imprensa como sacerdócio. Jornalistas 24 horas por dia, todos os dias.

Conheci Lulu primeiro, em 1979. Eu era, então, um jovem repórter que acabara de sair do Jornal do Brasil e ser contratado pelo Globo, onde ele exercia a função de subeditor de esportes de Celso Itiberê. Lembro-me, como se fosse hoje, da primeira pauta que me passou, para a cobertura de um jogo entre Vasco e Atlético Mineiro, no Maracanã.

- Anota aí: crônica do jogo, 30 linhas; atuações, 20 para cada time; gols, se houver, cinco linhas para cada; personagem, 25; destaque, 25...

À esta altura, eu já tinha parado de anotar e olhava pra ele, sorrindo.

- Por que, parou? Ainda não acabou! – me disse, sério.

Explico: eu estava acostumado, no esporte do JB, a fazer apenas um texto por partida. Coisa de 30, no máximo, 40 linhas, englobando tudo. Por isso, achei que Lulu estivesse me passando um trote de calouro. Mas, não. No Globo, era diferente. O repórter escrevia praticamente uma página inteira, sozinho. E tratei de voltar a anotar a extensa encomenda de textos:

- Vestiário do Vasco, 25 linhas; do Galo, 10; materinha de ambiente (das torcidas), 20; atuação do juiz, cinco. É isso.

Era mesmo. E logo descobri que não havia tanto mistério. Bastava saber separar os temas e dividir as retrancas. E as valiosas orientações do Lulu muito me ajudaram nessa rápida adaptação. Como seu subordinado, aprendi muito. E acabei me tornando seu amigo, a ponto de passarmos a sair juntos e frequentar um a casa do outro, acompanhados por Verinha e Ana Luiza, nossas mulheres, e por amigos queridos, como Chico Jr e Aninha, Dadá e Bebel e outros de uma turma divertida e inteligente.

Em meus tempos de repórter, Lulu foi subeditor do Celso, do Milton Temer e do querido e saudoso Cláudio Mello e Souza. Na época desse último, acabou saindo, para fundar, com Chico Jr., o “Bom dia”, um pioneiro jornal de bairro (da Barra da Tijuca) que chegou a fazer sucesso, até que o Globo resolvesse lançar os seus e acabasse com os nanicos.

Voltamos a trabalhar juntos, quando sucedi o Cláudio na chefia do esporte e surgiu uma oportunidade para que ele viesse ser meu subeditor. E aí, Lulu mostrou outra qualidade dos grandes de caráter. Apesar de mais experiente, humildemente tornou-se um fiel escudeiro, aconselhando-me sempre com sapiência e sabendo respeitar também as minhas opiniões, nas raras vezes em que discordamos. Era um baita profissional e um gentleman.

Nos últimos anos, nos encontrávamos, de tempos em tempos, num delicioso encontro da “Old School” da imprensa, como ele mesmo chamava. Almoçávamos no Guimas, na Gávea, com outros amigos da velha guarda, também já fora das redações, como Alfredo Osório, Serginho Cavalcanti, Carlos Leonam e Antônio Maria. Papos sempre animados e deliciosos. Que saudade!

Minha relação com Amauri Mello foi diferente. Fui o responsável pelo seu primeiro emprego, no Rio, cobrindo férias na redação do Globo, nos idos de 1983. Eu era um jovem editor e um dos meus repórteres, o gaúcho Danilo Miralles, certo dia, me perguntou se eu não poderia dar uma chance a um grande profissional lá do Sul. Era o Amauri, que já tinha sido até chefe de redação da Zero Hora, mas se desentendera com o velho Breno Caldas e estava no desvio.

Aceitei e no dia seguinte lá estava o caudilho, como passei a chamá-lo, disposto a tudo. Desde cobrir o treino do Flamengo, na folga do repórter titular, até trabalhar como redator, copidescando textos e notícias de agências, vindas do exterior ou de outros estados. Era criativo, eficiente e rápido e logo percebi que tinha capacidade para fazer muito mais.

Encerrado o seu período de cobertura de férias no esporte, indiquei-o ao Celso Itiberê, então editor de economia. Lá, em pouco tempo, foi efetivado e se tornou coordenador, deslanchando a carreira nas organizações, onde exerceu inúmeras outras funções de destaque.

Nos anos 90, convivemos durante muito tempo no comando da redação do Globo e ele sempre repetia como era agradecido pela oportunidade que eu lhe tinha dado. Não era necessário, mas ele fazia questão de demonstrar sua gratidão e amizade. Uma bela figura que, infelizmente, nos últimos anos, acabou amargurado com uma aposentadoria precoce que não desejava.

Amauri morreu no Rio Grande do Sul, vítima de um AVC. Lulu morreu de câncer, no Rio. Ambos se foram, ontem, pela manhã, levando com eles um pedaço importante da minha história no jornalismo e, por que não dizer, da minha vida. A cada dia que passa, a redação lá de cima me parece mais interessante e familiar que as daqui de baixo. Coisa de velho... Me desculpem a tristeza e a rabugice. Terça voltamos ao mundo da bola.