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Inventário de Cicatrizes

Arte JB sobre cartazes da época -
Arte JB sobre cartazes da época
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Tomo emprestado o nome do livro “Inventário de cicatrizes”, do estudante torturado nos Anos de Chumbo, Alexis Polaris d’Alverga, para informar àqueles que não testemunharam a Ditadura e reavivar a memória daqueles que se esqueceram. Uma época brasileira sombria, hoje lembrada nos documentos norte-americanos como de “terrorismo de Estado”. Os depoimentos abaixo estão no livro “Luta, substantivo feminino - mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura”, lançado, no ano de 2010, pelos ministros Paulo Vannuchi e Nilcéia Freire. Também há depoimentos do site “Memórias reveladas”, do Ministério da Justiça.

Ler esse conteúdo nos tira qualquer possibilidade de inocência.

Macaque in the trees
Arte JB sobre cartazes da época (Foto: Arte JB sobre cartazes da época)

A mineira de Contagem, Maria Amélia de Almeida Teles, diretora da União de Mulheres de São Paulo, era professora de educação artística quando foi presa em São Paulo, em 1972.

“Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Brilhante Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala enquanto eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques.”

A assistente social Gilse Cosenza, falecida no ano passado em Belo Horizonte, era mãe de uma menina de quatro meses quando foi presa em 1969:

“Eu estava arrebentada, o torturador me tirou do pau de arara. Não me aguentava em pé, caí no chão. Nesse momento, fui estuprada.”

A professora Izabel Fávero militava pela qualidade do ensino público em seu município de Caxias do Sul, quando foi presa em 1970, como “subversiva”. Hoje é docente universitária, lecionando administração, no Recife.

“Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdã Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choque elétricos, jogo de empurrar e ameaça de estupro. Eu estava grávida de dois meses e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, eu abortei. Quando melhorei, eles voltaram a me torturar”...

Hecilda Fontelles Veiga, estudante de Ciências Sociais, presa no quinto mês de gravidez, em 1972, em Brasília. Hoje vive em Belém, onde é professora de Ciências políticas da Universidade Federal do Pará.

“Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, apanhei e comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não devia nascer’. (...) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura científica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Eu não conseguia ficar em pé nem sentada. As baratas começaram a me roer. Aí me levaram ao hospital da guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia.”

A socióloga Marise Egger-Moellwald ainda amamentava seu filho quando foi presa em 1975. Marise mora em São Paulo.

“Eu era jogada nua e encapuzada, como se fosse uma peteca, de mão em mão. Com os tapas e choques elétricos, perdi dentes e todas as minhas obturações.”

Yara Spadini, agente pastoral, foi presa em 1971, em São Paulo, onde é professora aposentada da PUC.

“Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala da tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar.”

Inês Etienne Romeu - bancária, presa em São Paulo, em 1971. Morreu em Niterói, em 2015.

“Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades os mais grosseiros.”

Ignez Maria Raminger estudava medicina veterinária, quando foi presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria da Saúde.

“Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. Eu fui muito torturada, justamente com o Gustavo (Buarque Schiller), porque descobriram que era meu companheiro.”

A enfermeira Áurea Moretti, torturada em 1969, cumpriu pena de mais de quatro anos de cadeia.

“Uma vez eu vi um deles (os torturadores) na rua, estava de óculos escuros e olhava o mundo por cima. Eu estava com minha filha e tremi”.

Dileá Frate, jornalista e escritora com vários livros publicados, dirigiu por mais de 20 anos o programa de Jô Soares, em São Paulo. Foi presa em 1975, quando estudava jornalismo.

“Dois homens entraram em casa e me sequestram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”...

Criméia Alice Schmidt de Almeida foi torturada com palmatória, entre outros métodos, apesar de grávida de sete meses:

“Pela manhã, o próprio comandante major Carlos Alberto Brilhante Ustra foi retirar-me da cela e ali mesmo começou a me torturar [...]. Espancamentos, principalmente no rosto e na cabeça, choques elétricos nos pés e nas mãos, murros na cabeça quando eu descia as escadas encapuzada, que provocavam dores horríveis na coluna e nos calcanhares, palmatória de madeira nos pés e nas mãos. Por recomendação de um torturador que se dizia médico, não deviam ser feitos espancamentos no abdômen e choque elétricos somente nas extremidades dos pés e das mãos.”

Sobre o corredor polonês, narra Darci Myaki à Comissão Nacional da Verdade em 13 de junho de 2013:

"Eu fui presa no dia 25 de janeiro de 1972, meio dia e dois minutos, na rua Rainha Guilhermina, Leblon, Guanabara. Fui agarrada por vários homens que de imediato me jogaram num Opala branco. É uma das poucas lembranças nítidas que eu tenho. Me jogaram no chão, puseram um capuz preto e começaram a me dar pontapés. Eu permaneci na Guanabara do dia 25 de janeiro ao dia 28, metade da manhã. Durante esse período eu não fui para cela nenhuma. Tiraram toda a minha roupa... Logo que eu cheguei passei pelo corredor polonês, em que levava pancadas; ‘telefone’; caía, aí eles me levantavam eu tinha cabelo comprido , me levantavam pelo cabelo e em seguida me levaram para a sala de torturas.”

Em depoimento às Comissões Nacional e Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, a cineasta Lucia Murat contou sobre a utilização de baratas, inclusive dentro do seu corpo:

“Eu não sei bem o que se passou quando eu voltei. As lembranças são confusas. Eu não sei muito bem como era possível, mas eu sei que tudo ficou pior. Eles estavam histéricos, eles sabiam que precisavam extrair alguma coisa em 48 horas, se não perderiam o meu contato. Gritavam, me xingavam, me puseram de novo no pau de arara. Mais espancamento, mais choque, mais água e dessa vez entraram as baratas. Puseram baratas passeando pelo meu corpo, colocaram uma barata na minha vagina. Hoje parece loucura, mas um dos torturadores, de nome de guerra Gugu, tinha uma caixa onde ele guardava as baratas amarradas por barbantes e através do barbante ele conseguia manipular as baratas pelo meu corpo.”

Ieda Akselrud de Seixas, no depoimento emocionado que fez à CNV a respeito da prisão de toda a sua família, narra como o único irmão que não foi preso, por ter apenas dez anos de idade, foi aquele que mais sofreu:

“Eu fui presa no dia 16 de abril... de 1971. Junto com a minha mãe, minha irmã. [...] Eu sou filha de Fanny Akselrud de Seixas e de Joaquim Alencar de Seixas. Meu pai e meu irmão Ivan, na época menor de 16 anos, foram presos de manhã e nós fomos presas à noite. Eu, minha mãe Fanny, e minha irmã Iara. O único que não foi preso foi o meu irmãozinho que na época tinha dez anos, que é o Irineu. O problema meu maior reside no meu irmãozinho porque eu acho que ele foi a maior vítima nessa história toda. [choro] CNV: Qual é o nome dele? Ieda Akselrud de Seixas: Irineu. Ele tinha só dez anos e perdeu o pai, perdeu a mãe, perdeu a casa, perdeu tudo! Ele perdeu tudo de um dia para o outro. Ele mesmo fala “Eu virei adulto aos dez anos”. Bom... [choro]”

Não foi sem motivo que uma das revistas mais importantes do mundo, a britânica The Economist, alertou em sua última capa, (reproduzida ontem na primeira página do JORNAL DO BRASIL), sobre a ameaça que ronda a próxima eleição, para o Brasil e toda a América Latina. Destacando: “Os brasileiros não devem se enganar. Jair Bolsonaro tem uma admiração preocupante por ditaduras.”

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CANDIDATO À CÂMARA Federal, Aurélio Valporto, PSDB-RJ, ao ver negada a parte a que teria direito do Fundo Partidário de R$ 186 milhões, denunciou no Face: “A máfia do PSDB está usando os recursos do povo para se reeleger e impedir que o Congresso se renove com gente decente que tire o governo de mãos criminosas”. E lacrou: “A Odebrecht acusou Alckmin de receber mais de 10 milhões em propina”.

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Com João Francisco Werneck