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Comportas abertas para a utopia

Exposição percorre caminhos de transposição entre lugares onde água é desperdiçada até onde ela é escassa

Cláudia Tavares -
A água recolhida dos desumidificadores foi armazenada em vários tipos de garrafas
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Em suas pregações, Antônio Conselheiro dizia que o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão. Profecias à parte, a escassez de água no sertão induz uma reflexão sobre o desperdício dela em outras partes. A artista Cláudia Tavares fez de uma observação trivial uma ação concreta ao longo dos últimos quatro anos. Este trabalho pode ser visto em “Um jardim em Floresta”, exposição em cartaz no Paço Imperial. São 43 obras em diversos suportes (fotografias, aquarelas, vídeos e objetos de formato de instalação) que abrem as comportas para a utopia contida num gesto de solidariedade, ainda que pareça ser frágil ou inócua.

O projeto parte da observação de uma umidade que brotava pelas paredes do ateliê da artista, na parte alta do bairro de Laranjeiras. E decidiu coletar a água que se formava a partir dos aparelhos desumidificadores em garrafas. Foram cerca de 150 litros em aproximadamente dois anos. “Comecei a juntar essa água sem saber exatamente o que fazer com ela, até surgir a ideia de levá-la a um lugar onde houvesse escassez de água como um lugarejo pernambucano com o inusitado nome de Floresta, um dos lugares mais áridos do Brasil e lá, justamente lá, construir um jardim que seria regado com a água transportada. “Foi no gesto diário de recolher essa umidade tornada água que surgiu a vontade de umedecer, mesmo que momentaneamente, o sertão seco”, explica a artista, chegou ao município de Floresta no início de janeiro de 2016 e, num período de um mês, escolheu uma área para o plantio, recolheu mudas doadas em cidades próximas – Serra Branca, Matias, Araripina, Nascente e Bodocó – e, finalmente, o jardim brotou. O processo é registrado em fotos e objetos presentes na exposição, sobretudo as garrafas de tamanhos e formatos variados que assou a colecionar. “As pessoas reagiram, inicialmente, com um certo estranhamento, mas todo mundo ajudou doando as mudas necessárias para fazer o jardim crescer. Foi uma feliz coincidência ter chovido em Floresta logo após o plantio. No sertão, a natureza age muito rápido: impressiona como aquele marrom quase morto do solo se transforma num verde viçoso num curto espaço de tempo”, surpreende-se a artista.

Além da mostra, o projeto resultou numa tese de doutorado e em num curta metragem homônimos. “Um jardim em Floresta” ganhou o edital do Palácio das Artes, de Belo Horizonte, e ficou exposta na capital mineira entre abril a julho. Agora, esta intervenção artística sustentável e cidadã chega ao Paço Imperial onde permanece até 17 de fevereiro.

“A Cláudia dedicou-se a criar redes de relações entre moradores de Floresta e optou por construir um jardim no lugarejo. Assim, plantas, mudas, modos de agir locais são colocados em situação. Construiu-se uma cerca de proteção, estimulou-se o plantio, e em tudo perpassa a história que tangencia cada muda trocada, doada, cada encontro, cada quintal”, comenta Marcelo Campos, o curador da exposição, para quem a manutenção do jardim tornou-se e em relação intersubjetiva, “alicerçada por uma troca de conhecimento e pela preservação do desejo”.

Doutora em Processos Artísticos Contemporâneos pelo Instituto de Artes da UERJ, Cláudia é mestra em Artes pela Goldsmiths College (Londres) e em Linguagens Visuais pela Escola de Belas Artes, da UFRJ. Sua obra se apoia, principalmente, no audiovisual e em instalações que convivem com objetos, desenhos e cadernos de artista. Já expôs individualmente em galerias no Brasil, Inglaterra e Portugal.

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UM JARDIM EM FLORESTA Individual de Claudia Tavares

Paço Imperial (Praça XV, 48 – Centro; Tel: 2215-2093)

Até 17/2 – Ter. a dom., das 12h às 19h. Entrada franca