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Nana Caymmi fala sobre o novo disco com músicas de Tito Madi, da família e da vontade de sair do Rio

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Uma forte amizade motivou Nana Caymmi a voltar para os estúdios depois de nove anos sem gravar – seu último lançamento foi “Sem poupar coração”, de 2009.  O projeto, exclusivamente com músicas do cantor, compositor e pianista Tito Madi, havia sido iniciado por Emílio Santiago, mas não foi adiante por causa da morte do intérprete em 2013. “A ideia era do Emílio, mas eu decidi que podia fazer, como madrinha e amiga íntima que era dele. E, além disso, o Tito Madi é muito pouco lembrado, até pela raça dele. Então, aproveito o respeito que o povo ainda tem por mim para fazer o registro desse compositor que tem um linguajar tão leve e solto”, diz Nana, que já gravou anteriormente “Não diga não”, parceria de Madi com Georges Henry. 

Sobre o novo trabalho, que tem arranjos do irmão Dori Caymmi e de Cristóvão Bastos, Nana diz que sua parte já está toda feita e que adorou o resultado das 11 faixas, entre elas, “Chove lá fora” e “Balanço Zona Sul”. “Como não se tem dinheiro para entrar com uma filarmônica, a gente vai ‘reutilizando o vestido’, sabe? Que vira uma saia, uma blusa...”, brinca Nana, dizendo que “agora é com o Zé Milton”, referindo-se ao produtor do disco que sairá pela gravadora Biscoito Fino. 

Nana também nem toma conhecimento sobre data ou formato de lançamento. “Não quero saber se a Kati (de Almeida Braga, fundadora da gravadora) vai lançar pela internet, se vai jogar pela janela... Não tenho mais ansiedade, isso mata!”, diz Nana que, aliás, é totalmente desconectada de redes sociais e similares. “Já trabalhei muito, o que fiz pra caramba nessa vida foi viajar, por exemplo. Agora, fico tão feliz de não fazer nada, ou então minhas palavras cruzadas. Não tenho internet porque não quero saber da vida de ninguém! Fui exposta 55 anos da minha vida, não tenho mais o que dizer. Então, até que ponto eu seria formadora de opinião? Só me restava mesmo posar pelada, mas nem sei se ainda existe a Playboy”, diz, dando mais uma daquelas gargalhadas gostosas. 

Nana já havia feito discos dedicados a um compositor, mas em companhia dos irmãos e de amigos. Com o repertório do pai Dorival, lançou “Para Caymmi, de Nana, Dori e Danilo”, de 2004, e “Nana, Dori e Danilo - Caymmi”, de 2013. Em homenagem a Tom Jobim, por sua vez, gravou “Falando de amor”, de 2005, ao lado de Danilo Caymmi, Paulo Jobim e Daniel Jobim. “Tenho planos de fazer mais um com repertório do Tom, com o Dori”, revela a cantora, que diz sentir uma saudade imensa do amigo maestro. “Eu realmente o amava demais e sinto muita falta dele. Engraçado que papai tinha muita preguiça de fazer música, era um horror! Tom, se pudesse, carregava o piano no carro. Ele morreu muito cedo, mesmo sabendo das condições de saúde desgastada, resultado de uma vida de excessos. Lembro que gravei com ele e pedi tanto para que não fosse a Nova York”, lembra, com voz embargada, de quando Tom morreu, em 1994. Mas logo recorda das situações hilárias que viveu ao lado do amigo:  “Eu ficava me matando, caminhando pela Lagoa pra perder 100g e aí via aquela estátua de pernas arqueadas e bolsa a tiracolo que me chamava para tomar um Steinhaeger e comer bolinho de bacalhau... Como eu poderia resistir?”, diverte-se.

Sobre o projeto dedicado a Tom ao lado do irmão Dori, Nana não tem ideia de quando será feito: “Nem sei se sai antes ou depois desse meu. Mas sabe como é, a gente vai ficando velha, e quer acelerar as coisas. Já tenho bisneto e quero que eles saibam quem foi a bisavó deles!”, diz, referindo-se ao pequeno Conrado, filho de Carolina e neto de Denise. (Na ocasião da entrevista, ela ainda não era bisa de Helena – filha de Marina e neta também de Denise – que nasceu ontem.)   

Nana se derrete ao falar do menino de três anos, que mora em São Lourenço e a quem chama de Leãozinho. “Ele nasceu dia 1 de agosto, então coloquei o apelido e pegou. Meu lado da família só tinha mulher. Já meu irmão Danilo tem uma porrada de netos homens!”, brinca a mãe de Stella, Denise e João Gilberto.    

O apego de Nana à família é notório. Quando os pais morreram –, Dorival no dia 16 de agosto de 2008 e Stella 11 dias depois – ela chegou a dizer que se aposentaria. “Mamãe sofreu muito, por dez anos, tudo por causa do cigarro. Já papai foi por problemas no rim, mas ele morreu mais leve”, comenta, triste. Mas a união com os irmãos foi uma das coisas que a fortaleceu. “Sempre gostamos de estar juntos e temos muito respeito um pelo outro. Certamente isso vem da educação que mamãe nos deu, já papai nos chamava de quadrilha”, diverte-se com a recordações. 

Aliás, Nana faz questão de manter vivas todas as lembranças, inclusive as materiais. Em um apartamento da família na Rua Ronald de Carvalho, em Copacabana, mantém várias coisas da mãe. “É onde Dori costuma ficar quando vem de Petrópolis para fazer alguma coisa por aqui”, comenta. E, numa casa em Pequeri – cidade natal de Stella –, ela mantém os móveis e objetos dos pais. “Costumo passar um mês em Minas e outro aqui. Lá, eu vejo rosa e orquídeas nascerem, lembro de mamãe reclamando quando começamos a construir a piscina, tem uma mangueira que quase entra pela janela do quarto dela, que é onde eu durmo, os passarinhos concorrem comigo cantando... é o paraíso!”, descreve.

Na verdade, a cantora dá pistas de que possivelmente a casa na Zona da Mata mineira será seu lar em muito breve. “Com essa violência decretada no Rio, somos impedidos de ser felizes. Moro no Alto Leblon e a impressão que tenho é que a qualquer momento vai entrar uma bala perdida por alguma janela. Fico muito preocupada quando João Gilberto sai andando por aí porque antes era um bairro familiar, daquele em que todo mundo se conhece, e agora parece que virou apenas uma passagem para a Barra. Por isso estou pensando em colocar à venda. Saio do Rio mas metade da minha vida fica aqui. Mas não tem por onde escapar”, lamenta.

João, 52 anos, que mora com ela, sofreu um gravíssimo acidente de moto em 1989 e ficou com sequelas neurológicas graves e comprometedoras.  “Eu sempre levei todos os filhos e netos para o estúdio, muitos gravaram em meus discos. O João era quem melhor cantava, gravou ‘A lua e eu’ comigo’. Mas ele era daquela geração de merda, que vê dinheiro fácil e faz besteira. Eu pensava que ele ia fazer uma viagem, sei lá, e aí comprou uma moto e se escafedeu”, diz, firme. E aproveita para “esculhambar” as meninas: “Stella, Denise, Juliana, Dora, Carolina... todas cantaram em discos mas nenhuma deu certo. Uma tinha vergonha, outra se borrava toda... Um bando de putas!”. Pelo jeito, só a sobrinha Alice, filha de Danilo, trilha a carreira com gosto – mas nem por isso escapa das broncas da tia: “Ela veio me dizer um dia: ‘Tia, estou fazendo um show em sua homenagem, mas não é com seu repertório’. Aí eu perguntei: ‘Mas que porra de homenagem é essa?’”, zomba.  

O esculacho não alcança a nova geração, é claro. “Leãozinho cismou agora de cantar ‘Aleluia’. É sua preferida, não sei de onde ele tirou isso. Quem sabe nessa geração que vem por aí não aparece um novo Dorival?”, elogia, comentando que, quando canta para o bisneto por telefone, “as meninas me pedem para não falar palavrão, porque ele repete tudo para os amigos da escola.” As filhas vivem sofrendo “ameaças” de Nana, que não se conforma em ficar vendo fotos dos mais novos pelo celular. “Eu falo logo que vou deserdar todo mundo! Elas têm medo de que eu me case com o Ronaldo Bastos e dê toda a herança para ele. Aí rapidinho me mandam fotos com moldura e tudo do Leãozinho...”, conta, com mais uma daquelas gargalhadas.