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Dois turnos providenciais

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As leituras da semana permitem consolidar uma das virtudes que levaram a legislação brasileira a instituir o segundo turno, consagrando a necessária maioria dos votos ao futuro presidente da República. É a virtude de permitir que, no primeiro embate eleitoral, as modestas correntes políticas concorram para revelar suas próprias forças e ideias, isoladamente, mesmo sabendo, via de regra, que lhes faltará fôlego para saírem vitoriosas na primeira fase do processo.

Os partidos de esquerda, muitas vezes acusados de não se entenderem, estarão, na verdade, utilizando importantes espaços, só concedidos em tempo eleitoral, para medir sua musculatura e, com ela, poderem se situar na etapa decisiva.

É sempre saudável garantir ampla oportunidade aos diferentes grupos do pensamento político, para que se exponham e se façam avaliar pelo eleitorado. Tão mais necessário, quando demonstrado fica que essas correntes e tendências são o que restou de um parte da falida organização das siglas partidárias, hoje substituídas por grupos que se isolam, e muitas vezes digladiam sob as mesmas bandeiras. O direito de disputar o poder é elementar, precisa ser garantido a minorias que seguem ou não o comando formal.

Ferido o embate inicial, diante da profusão de candidaturas, os eleitores veem-se diante de uma dupla oportunidade: não apenas indicam aquele ou aquela que consideram melhor para gerir os negócios da nação, como podem manifestar simpatias a candidatos que, de antemão, sabem estarem derrotados. Verdade, contudo, é que muitos eleitores, contados entre os mais radicais, consideram-se satisfeitos com a possibilidade de dar um voto no absolutamente impossível. Orgulham-se disso e levam a derrota na conta do suficiente. Final de outubro, quando chamados de novo às urnas, ganham o direito de substituir a emoção pela razão.

Fosse a eleição presidencial sujeita, como outrora, à aferição limitada ao primeiro turno, o país correria o risco de ver eleito um candidato com escassa minoria. Nada mais conveniente e oportuno para surgimento de crises políticas, de delicadas consequências. Pretextando a falta da unção das maiorias, os derrotados lançam- -se em campanha de invalidação do pleito. O mesmo argumento foi o que, em 1955, conduziu o Brasil a um dos maiores impasses da história republicana, quando, contra a posse de Juscelino Kubitscheck, levantaram-se os liberais legalistas da União Democrática Nacional, mais tarde especializados em derrubar presidentes. Juscelino, eleito em turno único, havia obtido 37% dos votos. Portanto, longe da maioria.

No dia 7 de outubro, os votos do centro, da direita e da esquerda, seja qual for a intensidade dos radicalismos, poderão mostrar em que medidas andam seus candidatos e qual a competência de sua pregação. E o que eles aprenderam do tripé que, segundo a sensibilidade de Tancredo Neves, é a via única para um candidato exitoso: ser conhecido, ter prestígio e bafejado pela sorte. Tem validade, mas vivo fosse, talvez evoluísse para um quarto componente: muito dinheiro, porque eleição é artigo de luxo, inacessível a candidatos pobres.

E quando vier o segundo turno, no fim de outubro, os dois favoritos darão a garantia de um presidente ungido pela maioria dos brasileiros. A conquista do maior volume de votos, numa segunda votação, é tão importante para a legitimação do representante, que é fácil garantir: qualquer que fosse a extensão de futura reforma política, a segunda chamada às urnas é conquista que nunca se poderá dispensar. Muito mais depois da enxurrada de partidos, que contribuem para pulverizar os votos, sem embargo de muitos serem condenados à insignificância no mesmo momento em que nascem. 

São, pois, duas fases distintas e importantes. Na primeira votação contam-se e respeitam-se todas as simpatias, abstrações e utopias. Na segunda, as urnas põem a casa em ordem.