O urro medonho veio da rampa, alvoroçando a cachorrada. Corri para a varanda e me deparei com o quadro dantesco. Caído na ladeira, Bagá rolava pra lá e pra cá, com as mãos segurando uma das pernas que, imaginei, deveria ter sido dilacerada pelo Rin Tin Tin, meu fiel e feroz pastor alemão, o 01 da segurança da casa.
- Socorro, chefia, socorro! – bramia o gigante
Quando me aproximei, entretanto, o ciclope se pôs de pé num salto, soltou uma sonora gargalhada e emendou de bate-pronto:
- Pegadinha do Neymar!!!
Era só o que me faltava. O colosso de ébano aparecer sem ser convidado e ainda me pregar uma peça dessas! Minha vontade foi convocar a matilha para fazê-lo gemer de verdade, mas achei melhor deixar pra lá.
- O que manda, Bagá?
- Acabou a Copa, ué! Vim ver o jogo do Mengão, com o amigo!
Pronto. Lá se foi minha tranquilidade. Já aboletado no pufe da sala, diante da TV, o sacrossanto crioulo resolveu tecer considerações sobre o Mundial da Rússia, enquanto esperava o início da partida contra o São Paulo.
- Chefia, sou fã do Neymar e sonho com o dia em que ele vai cumprir aquela promessa de vestir o manto sagrado. Mas ele pisou na bola, né? Não estava 100%, é verdade, mas precisava meter aquele topete dourado e rolar no gramado como cachorro atropelado? Malandro é malandro, mané é mané. E o Ney bancou o mané, na Rússia. Mas, quer saber? Pra mim o maior culpado foi mesmo o professor Tite, que não puxou as orelhas dele.
Aquela comissão técnica, aliás... Que nó levou do treinador da Bélgica!
Impossível discordar do negão. E enquanto eu tratava de apanhar uns petiscos e uma bebida para o indesejado visitante, Jujuba, minha dogue alemã, se aproximou, desconfiada, e começou a cheirá-lo. Desistiu imediatamente, diante do odor exalado. Pelo mesmo motivo, quando voltei, tratei de sentar-me do outro lado da sala. E a bola rolou no Maraca.
- Por que o estagiário não pôs o Uribe com o Guerrero? – reclamou o Bagá.
- Barbieri não é mais estagiário! Agora é efetivo!
- Pra mim, só vira efetivo quando ganhar um título grande
Melhor não discutir com a besta-fera. Bolinha na tela e o gol era do Corinthians, contra o Botafogo, lá no Itaquerão. Bagá riu e comentou:
- Bem fez o Valentim de se mandar. O Foguinho não vai a lugar algum...
No Maracanã, o Flamengo começou dominando o São Paulo e o ciclope se animou. Mas se irritou quando Éverton pega na bola:
- Pega o traidor! – urrou, como se os rubro-negros pudessem ouvi-lo.
Quem ouviu e não gostou do tom de voz agressivo foi o Rintin, que rosnou e lhe mostrou a dentuça, em sinal de alerta:
- Segura o volantão, aí, chefia, mostra um amarelo pra ele.
Quem levou cartão foi o Rômulo, cabeça-de-área do Fla. E Bagá suspirou:
- Que falta faz o “Cuejá”...
É verdade. O São Paulo começou a ameaçar e Diego Alves, com bela defesa, evitou o gol do estreante Rojas. O Flamengo tinha mais posse de bola, mas não penetrava na defesa paulista. E sofria com os contra-ataques.
Aos 42 minutos, enfim, uma jogada efetiva do ataque rubro-negro. Diego cobrou falta em cruzamento e Paquetá cabeceou, vencendo Sidão, mas a bola caprichosamente explodiu no travessão. Em respeito ao leitor, não reproduzo aqui o chorrilho de palavrões proferidos, em seguida, pelo Bagá. E terminou o primeiro tempo com o 0 a 0 no placar.
Depois do intervalo, com menos de três minutos, Éverton fez valer a “lei do ex” e marcou de cabeça, levando o Bagá à loucura. Renê bobeou feio na jogada. Errou o lançamento que armou o contra-ataque e, depois, comeu mosca na marcação. E o jogo ficou complicado para o Fla.
Os são-paulinos faziam cera e o gigante de ébano enlouqueceu, quando Marlos Moreno não conseguiu dominar uma bola limpa, em frente ao gol:
- Bota logo o Uribe, ô estagiário!
Logo aconteceu a troca de colombianos. E foi Uribe quem perdeu um gol feito, após rebote de Sidão em chute de Paquetá, o único que se salvava, no ataque rubro-negro. Mais um pouco e, numa cabeçada, o estreante só não marcou porque o goleiro do São Paulo fez grande defesa. Entraram ainda o Trauco e o Mateus Sávio, mas o empate não veio. E, para minha surpresa, embora triste com a derrota, Bagá se despediu conformado:
- Jogamos mal. Só o Paquetá se salvou. Mas ainda somos líderes e esse Uribe é bom de bola, viu? Dará alegrias. Se tivesse jogado desde o início...