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Carandiru, Pedrinhas e Manaus: os interesses da bancada da jaula

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Barbárie, chacina, extermínio são os efeitos da falência do sistema carcerário. Os assassinatos causados entre a guerra de facções criminosas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e na Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), em Manaus, resultou em 60 presos mortos depois das 17h de rebelião.

A tentativa falida de contenção da violência através do encarceramento não deu certo, haja vista que os números dos homicídios no Brasil não diminuíram e o número de presos só aumentaram nos últimos anos. As ações repressivas e punitivas do Estado que age com o amplo apoio da população insegura, a criminalização da pobreza e da juventude, somados ao sucateamento do sistema de reabilitação social - que deveriam ser os nossos presídios - se conectam criando um cenário perverso e desumano onde a vítima sempre será o mais oprimido.

Os assassinatos desta semana só perdem, em número de vítimas, para o massacre do Carandiru, que registrou 111 mortos e completará 25 anos em outubro deste ano.Derrubando em números o Complexo de Pedrinhas, em São Luís, que respondeu por 28% do total de mortes nos presídios do Brasil.

A crise carcerária só poderá ser resolvida quando a sociedade e os políticos tiverem vontade de solucionar o problema. Porém a vontade política em Manaus está à mercê dos interesses econômicos do financiamento privado de campanha eleitoral. Segundo o portal de notícias ‘Vai da Pé’ o deputado federal Silas Câmara (PSD-AM) recebeu R$ 200 mil da empresa Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda. para sua campanha eleitoral em 2014. Essa mesma empresa, é a gestora do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), local de 56 dos homicídios registrados na rebelião.

Ainda segundo a matéria, assinada pelo jornalista Paulo Motoryn, também nas eleições de 2014, a Umanizzare escolheu outras duas candidaturas para fazer doações. A esposa do deputado Silas, Antônia Lúcia Câmara (PSC-AC), recebeu R$ 400 mil, e a filha do casal, Gabriela Ramos Câmara (PTC-AC), outros R$ 150 mil. Ao todo, a empresa de gestão prisional doou R$ 750 mil para as campanhas eleitorais da família Câmara.

O resultado é nítido. No Amazonas, estado da crise penitenciária, a Umanizzare é responsável por seis unidades prisionais. No Tocantins, a empresa administra outras duas unidades. A conta fecha em torno da troca de favores políticos à gestoras de sistemas prisionais garantindo o ciclo da corrupção sistêmica.

A média do valor pela manutenção de um preso no sistema penitenciário está em torno de R$ 2.000,00. O Ministério público do Amazonas está encabeçando uma investigação em torno os contratos com a Umanizzare, tendo em vista que cada preso equivale ao pagamento de R$ 4.700,00.

É preciso reafirmar que a política de encarceramento em massa é fruto do interesse da lógica capitalista, onde cada preso é visto como uma mercadoria. Também é preciso debater que as lógicas punitivas de reabilitação só aumentam o problema da violência e da criminalização povo pobre e preto.

Para o governador do Amazonas José Melo (PROS) não existe ser humano na cadeia. Em declaração pública o governador afirmou que não se comovia com a situação, pois “não tinha nenhum santo”. Ao contrário do que ele pensa, o Papa Francisco com tamanha humanidade e solidariedade com nosso povo mandou uma mensagem para o Brasil na última audiência geral no Vaticano:

"Quero expressar tristeza e preocupação com o que aconteceu. Convido-vos a rezar pelos mortos, pelas suas famílias, por todos os detidos na prisão e por aqueles que trabalham nele” (...) "Eu gostaria de renovar o meu apelo para instituições prisionais sejam locais de reabilitação e reintegração social e que as condições de vida dos detidos sejam dignas de seres humanos"

O Presidente Michel Temer chamou de acidente o que aconteceu em Manaus. Porém, sabemos que acidente é quando ocorre algo inesperado ou que não premeditamos.Segundo a Advogada Paola Bettamio, em suas redes sociais: “O massacre de Manaus foi planejado por todos e todas que repetem o mantra do bandido bom é bandido morto. Planejado por um judiciário cego pela verdade punitivista. Planejado por uma política criminal seletiva e por uma segurança pública racista e classista. Planejado até por nós, que ainda apostamos no sistema carcerário pra resolver qualquer tipo de pauta que levantamos. O que aconteceu em Manaus não foi um acidente. Foi muito bem planejado e previsto por todos e todas nós!”

Estamos vivendo como espectadores de três cenários. O primeiro é uma política interna que, conduzida pelos próprios presidiários, pauta o extermínio dos seus pares por julgamentos feitos pelos grandes lideres do tráfico de drogas. O segundo é a corrupção sistêmica que através do financiamento privado de campanha eleitoral sustenta a lógica de favores na política local em detrimento da democracia e transparência. O terceiro cenário é conduzido por uma política de Governo no Amazonas, onde os direitos humanos não prevalecem e nunca foram prioridades quando o assunto é pobre, preto e preso.

* Walmyr Junior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ