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Leonardo Boff: Ainda não terminei de lhe agradecer

Palavras lidas para Dom Paulo Evaristo Arns

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Estas foram as palavras lidas ao povo na missa antes do sepultamento de Dom Paulo Evaristo Arns, na sexta-feira, na Catedral de São Paulo.

“Querido confrade, amigo dos pobres e meu amigo, meu mestre e promotor de minha vida de teólogo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Morrer, não é morrer. É atender a um chamado de Deus. Deus o chamou e o Sr.foi contente ao seu encontro. Lá encontrará, estou seguro, os milhares de pobres, refugiados, torturados e assassinados que o Sr. defendeu, protegeu e por eles arriscou sua própria vida.

Jamais esquecerei o tempo de Petrópolis nos começos dos anos 60 do século passado, quando  juntos, dos fins de semana,praticávamos a pastoral de periferia no bairro do Itamarati, o seu amor aos pobres dos morros e o carinho para com as crianças.

Ainda não terminei de lhe agradecer a coragem com a qual tomou a defesa da teologia da libertação e de minha pessoa no diálogo que tivemos com o então Cardeal Joseph Ratzinger logo após o interrogatório a que fui submetido em Roma. Na minha presença e junto com o Card. Dom Aloysio Lorscheider, o Senhor testemunhou que a teologia que nossos teólogos fazíamos em favor dos pobres e com eles era boa para as comunidades e significava um bem da igreja local que devia ser defendido por seus pastores. Por isso justificava sua presença em Roma.

Sempre me animou e apoiou em minha atividade teológica. Guardo até hoje como um sacramento o bilhete que me deixou na mão antes de subir ao navio que me levava para estudos na Europa:

“Caro confrade Frei Leonardo: gostaria que soubesse isso:queremos dar-lhe o melhor porque a Igreja do Brasil precisa do melhor. Você também sabe que foi enviado em nome de Deus. Viva e estude por Ele para Ele. Nisi Dominus aedificaverit domum, in vanum laborant qui aedificant eam”: "Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam”.

Quero ser fiel a este mandato pelo tempo que me resta de trabalho útil a serviço da fé e da libertação dos sofredores deste mundo, da salvaguarda da vida e da preservação da Mãe Terra.

Se é verdade o que diz o poeta “que morrer é fechar os olhos para ver melhor” então, agora, querido Dom Paulo, o Senhor estará vendo a Deus a sempre serviu, face a face, participando da festa com  todos os libertos e bem-aventurados do céu.

Com minhas preces diante do Senhor e com saudades peço que lá junto do Pai e Mãe de bondade olhe para todos nós e nos ajude a seguir o exemplo luminoso que nos legou.

De seu antigo aluno e amigo

Leonardo Boff"

Petrópolis 15 de dezembro de 2016.

>> Boff: Dom Evaristo, mestre, intelectual e amigo dos pobres