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Protestos de rua motivam mais a esquerda que a direita

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Fracassaram as manifestações convocadas para o último domingo pelas lideranças que foram às ruas protestar contra o governo Dilma em 2015 e 2016. O objetivo maior seria respaldar politicamente o prosseguimento efetivo da Operação Lava Jato. Porém, a incoerência e falta de foco do conjunto das motivações da mobilização (fim do foro privilegiado, rejeição à reforma política, ao financiamento público, à mudança no sistema eleitoral etc) ajuda a compreender o seu fiasco, por terem reunido apenas alguns gatos pingados em São Paulo e no Rio de Janeiro. Por outro lado, a esquerda, que levou dezenas de milhares de manifestantes ao espaço público para protestar contra as reformas da Previdência e da legislação trabalhista, está retomando sua presença na cena política e tem agenda marcada para voltar às ruas novamente na próxima sexta-feira, dia 31 de março.

A polarização política em curso no Brasil nos últimos três anos, para a qual muito contribuiu a emergência de uma nova direita nas ruas, processou-se no sentido da direitização do sistema político, impactando negativamente no conjunto do Estado e do regime democrático, politizando intensamente as instituições, acentuando o conservadorismo dos partidos, cravando um conteúdo ultraliberal às decisões sobre políticas públicas e fazendo emergir a bandeira contra a corrupção, embora efetivamente ela venha sendo, até aqui, encaminhada de modo seletivo.

No entanto, com o avanço no Congresso Nacional das reformas previdenciária e trabalhista, tão demandadas pelo conjunto do grande empresariado (como a terceirização generalizada recentemente aprovada) e com a perda de foco e fragmentação das bandeiras do conservadorismo das ruas, o gigante da direita vai ficando sonolento, enquanto a esquerda desperta, nutrida pela insatisfação dos trabalhadores contra os ataques aos seus direitos históricos de cidadania, que remontam ao trabalhismo varguista.

Enquanto o governo Temer segue sendo altamente impopular, a insatisfação dos eleitores e cidadãos passa a ganhar um conteúdo defensivo, de preservação de direitos, um conteúdo democrático-progressista, ao passo que o programa da direita governamental e das ruas (esta última nada tendo a dizer para o conjunto da nação, a não ser reclamar da corrupção da classe política, mas, contraditoriamente, sacramentando o ilegítimo governo Temer) fica cada vez mais descolado da vida real da população, afetada negativamente pelas decisões de Brasília, tanto as já aprovadas como as que se deseja aprovar.

Após o expressivo Dia Nacional de Paralisação, de 15 de março, as forças do campo democrático-popular, lideradas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), vão novamente às ruas na próxima sexta-feira, quando ocorrerá o Dia Nacional de Mobilização, preparatório para a greve geral de 28 de abril “contra a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista, a Terceirização e por nenhum direito a menos”, agendada pelas centrais sindicais em decisão unitária.“A única coisa que reverte a tragédia que está em curso no Brasil é promover uma grande greve geral”, disse o secretário-geral da CUT, o metalúrgico Sérgio Nobre.

Na América do Sul, há um processo de mudança econômica e política no sentido do retorno das políticas neoliberais, que vêm sendo executadas por governos conservadores, em contexto de desemprego e inibição da atividade produtiva. Os dois casos principais dessa tendência são o Brasil e a Argentina, mas a direita tenta se afirmar em vários países, inclusive naqueles em que a esquerda governa, caso da Venezuela, Bolívia e Equador.A Confederação Geral do Trabalho (CGT), a central sindical peronista da Argentina agendou um dia de greve nacional contra Macri para 6 de abril.

De um modo geral, não há mudança econômica sem decisões e ações políticas, sobretudo quando os agentes do mercado demandam alteração nas legislações que afetam seus interesses, a começar pelas referentes a custos trabalhistas e tributários, eventualmente também de importações, exportações, crédito etc. As políticas públicas envolvem interesses muito concretos e os empresários, de um modo geral, possuem substantivos recursos de poder para encaminhar as suas demandas. As crises cíclicas do capitalismo são momentos ímpares para se tentar mudanças. Quando elas ocorrem em regimes democráticos, a direita oposicionista pode se fortalecer e chegar ao governo desbancando a esquerda, e vice-versa.

A curta vida do governo pós-impeachment não está fácil. Ao mesmo tempo em que os conservadores apresentam sinais de divisão e irracionalidade em relação a como prosseguir na bandeira contra a corrupção (a Operação Carne Fraca foi executada com cabeça fraca) – bandeira que os ajudou a alcançar o Palácio do Planalto, pois os problemas fiscais atribuídos a Dilma e as irregularidades identificadas na Lava Jato quase que se fundiram no imaginário da opinião pública, graças à atuação politizada da grande mídia –, agora passam também a nadar contra a corrente, pois suas propostas de mudança regressiva vêm encontrando resistência nas classes populares. Na própria votação da terceirização, recentemente realizada na Câmara dos Deputados, a base governista perdeu alguns votos entre seus membros.

Enfim, há que se atentar para a economia política e a sociologia política da política econômica, no sentido amplo do termo, particularmente para o comportamento dos atores, seja da direita ou da esquerda. A política é dinâmica e hoje no Brasil, como nunca antes na história.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), ex-pesquisador visitante da Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia.