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De pântanos e rosas

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Às vezes não parece que a vida o esmaga, imprensando-o contra paredes imaginárias ou contra você mesmo, de um modo aterrador, que o faz desacreditar na sua própria capacidade de superar o momento e os tormentos? Não é verdade que os imperativos coletivos que nos castram, sobrepondo-se às necessidades individuais, torturam as vicissitudes mais comezinhas da vida humana? Por que continuar a nos esforçar, se o que há é uma amálgama disforme de incompetências egoístas, a nos conduzir, autoritariamente, feito gado tangido, para o matadouro de vida indigna e sorrateiramente alienante que nos faz outros, por não podermos ser nós mesmos? O que fazer, se o que fazemos, nos leva à beira do abismo e se o nada fazer que aprisiona na areia movediça de um presente recorrentemente disforme, insípido, inodoro e incolor? Compensa agirmos certo e de modo honesto, generoso e solidário, se o mundo parece só recompensar os errados, desonestos, oportunistas e insensíveis? Nelson Rodrigues dizia que o mundo será dominado pelos idiotas, não pela qualidade, mas pela quantidade. Será?
O que estamos presenciando, neste momento, na vida brasileira, é um verdadeiro show de horrores, digno do mais furioso Realismo Fantástico tupiniquim. Este movimento cultural, que explodiu na América Latina e teve em autores como o colombiano Gabriel Garcia Márquez e o brasileiro Dias Gomes alguns de seus maiores expoentes, e nasceu como uma espécie de contraparte do Surrealismo europeu de Albert Camus e Salvador Dalí, talvez não conseguisse descrever o espetáculo dantesco que estamos a presenciar em terras desses “tristes trópicos”, como diria o antropólogo Claude Lévi-Strauss.
O ódio impera, o egoísmo campeia e a renúncia aos mais elementares padrões de civilidade se sobrepõem aos mais fraternos sentimentos de laços humanísticos e amor ao próximo, já que este próximo está cada vez mais distante, posto que o vemos como um inimigo a ser destruído e não alguém com quem posso – e devo – conviver em paz e harmonia.
Não será agindo fora da lei, como muitos de nossos gestores públicos estão a fazer, que iremos reconstruir este país; não será ignorando os mais básicos princípios legais, como servidores pagos para garantir a Constituição, notadamente, membros do Ministério Público e do Judiciário, que iremos, no dizer messiânico desse pessoal, “moralizar a pátria”; não será participando do “coro das panelas cantantes”, mas lançando mão do famoso “jeitinho brasileiro” todo dia, que iremos mudar a cultura nacional da corrupção e da impunidade. Sim, somos um povo de cultura corrupta, cartorial, patrimonialista, homofóbica, misógina, racista e autoritária, dentre outros “atributos valorativos”.
Só conseguiremos superar essa situação vexaminosa perante nós mesmos, os que nos percebemos, como um povo, deste modo, e para o mundo, quando pararmos de nos entender como um povo cordial, alegre e democrático e vermos o que somos, no fundo da nossa alma brasileira! Temos que encarar nossas fraquezas e ver como podemos e devemos, individual e coletivamente, não aderir aos discursos fáceis e enganadores dos salvadores da pátria, que têm, óbvio, uma fácil, e errada, em geral, solução para tudo. Temos que encarar nossos medos e os superar, com amor no coração, força na negociação (coletiva, de que país queremos) e vigor na determinação de não esmorecer perante as dificuldades e não sucumbir, angustiante e inutilmente, à tentação de nada fazer e de cuidar apenas do nosso mundinho particular, porque para quem ainda não percebeu, isso não está dando certo. Nada fazer é dar a vitória para os cretinos e ficar para traz.
Umberto Eco disse, com propriedade, e indo ao encontro do que falou Nelson Rodrigues, que as redes sociais deram voz aos mentirosos e aos idiotas. O Brasil não é mesmo para principiantes, como dizia Tom Jobim, e crer em tudo o que está na internet é de uma ingenuidade que já não cabe mais. E (re)construir nossos espaços públicos, os reais e os simbólicos, depende de pactuações coletivas de valores e ações e não apenas de protestos raivosos por essas redes sociais. O tempo de mais palavras, de meias compreensões e de meias ações já passou. O Brasil está indo para o poço sem fundo da mais rasteira, como se dizia nos anos 1960/1970, República Bananeira, que não respeita a vontade da maioria de seu povo e não lhe oferece condições dignas de existência.
Somos um grande e complexo universo, fechados em nós mesmos. É hora de nos abrirmos, com paz e amor (lema hippie dos anos 1970, mais que perfeito), além de dedicação e competência, para que o Brasil mude seus rumos, afinal, nossas vidas e nossa felicidade e bem-estar, dependem, diretamente, dessa mudança. Busque propostas como a “Gestão Cidadã”, de um grupo de amigos cariocas que acreditam na ideia da construção coletiva dos espaços públicos. O significado da expressão “participação popular” tem que ser apreendido por todos os brasileiros, independentemente da visão de mundo que cada cidadão tenha; construir um novo país, onde o respeito a quem pensa diferente de nós, é não apenas possível, como imperativo. Estamos imersos no lodaçal, mas no meio do pântano, também podem nascer rosas.

* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana