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Transporte sobre pneus é cruel

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As cidades brasileiras utilizam pessimamente seus espaços públicos, e seus cidadãos aceitam passivamente o domínio do modo rodoviário, principalmente do automóvel, utilizado e incentivado cada vez mais, tanto por governantes, que não oferecem transporte público abrangente, integrado, barato e de qualidade, como pelo modelo econômico que facilita a vida da indústria automobilística, por meio de incentivos fiscais e tributários e linhas de financiamento atraentes para os consumidores de todas as classes sociais.
Dessa forma, os investimentos públicos em transporte de massa, baseado em metrôs e trens metropolitanos, são relegados a segundo plano e evoluem a passos de cágado: a expansão de linhas de metrô não atinge 1,8km por ano, em média, nas principais cidades brasileiras.
O resultado desse quadro todo mundo conhece: acidentes, congestionamentos, alto consumo de combustíveis, poluição, estresse, perdas de tempo e de qualidade de vida.
Como os números não mentem, vou tomar como exemplo as duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. A capital paulistana possui uma frota de 8,2 milhões de automóveis, 940 mil motocicletas e 14,5 mil ônibus, para pouco mais de 12 milhões de habitantes. Dessa frota, pouco mais de 5 milhões de automóveis circulam diariamente na cidade, com uma taxa média de ocupação de 1,2 pessoas por veículo, indicando a predominância do transporte individual. A CET-SP monitora 868km do sistema viário da cidade, que, no pico matutino, registra diariamente, em média, 66km de vias congestionadas, e, no vespertino, 86km. Nos dias mais complicados, esse número pode chegar a 200km, ou mais. A frota de veículos responde por 70% da poluição e, em média, nove pessoas morrem diariamente em decorrência dessa poluição, em sua maioria crianças e idosos, sem contar os acidentes fatais, que chegaram a três mortes por dia, em 2017.
No caso da Cidade Maravilhosa, a frota sobre pneus é de 2,8 milhões de automóveis, 300 mil motocicletas e 8 mil ônibus, para 6,3 milhões de habitantes. Na capital carioca também é verificado o domínio do transporte individual, cuja taxa média de ocupação dos veículos é semelhante a SP. A CET-RJ monitora 1.049km do sistema viário da cidade, cuja média diária de congestionamento, no pico, é de 87km, podendo chegar a mais de 250km em dias incomuns. Foram registradas quase duas mil mortes no trânsito em 2017, pouco mais de cinco acidentes fatais por dia, em média.
Em suma, a situação está caótica em ambas maiores metrópoles do país, com viés de piora, visto que a cada hora entram em circulação cerca de 20 veículos nas vias paulistanas e pouco mais de três veículos nas vias cariocas. Então, qual seria a solução para SP e RJ, assim como para as demais grandes cidades brasileiras? Vou responder com a mesma resposta de sempre: a única solução é o transporte sobre trilhos como espinha dorsal do sistema de transporte público de massa, ou seja, mais metrôs, trens, VLTs e monotrilhos.
Lamentavelmente, a minha resposta ainda encontra forte resistência entre governantes e alguns setores da sociedade, que não admitem ações de restrição ao automóvel, nem a mudança do paradigma atual do transporte coletivo por ônibus. Na verdade, todo mundo gosta do discurso do transporte urbano sobre trilhos, mas ninguém quer abrir mão do transporte individual ou implementar medidas como pedágio urbano ou outras ações que possam inibir o uso do automóvel.
SP, a maior metrópole da América Latina, possui apenas 91km de linhas de metrô e 265km de trens, enquanto a Cidade do México e Nova York possuem, respectivamente, 202km e 418km, só de metrô. O sistema metroferroviário de SP precisaria de, no mínimo, mais 200km de novas linhas para atender sua população com dignidade e respeito. Para isso, São Paulo precisa aumentar fortemente o pífio ritmo médio histórico de expansão de suas linhas de metrô, de 1,9km/ano. Caso mantenha o ritmo atual, o metrô de São Paulo precisará de 58 anos para atingir a extensão da Cidade do México e de 170 anos para se igualar a Nova York. O ritmo de expansão do RJ é bem pior: 1,2 km/ano, precisando de 120 anos e 300 anos, respectivamente, para se igualar às duas cidades citadas.

* Doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, mestre em Transportes pelo IME e professor da FGV