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Coluna da Segunda: Transição sem transe

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Com alguns gestos e decisões, na semana que passou, o presidente Temer sacramentou uma das mais calmas transições de governo na história brasileira recente. Abrir o espaço aéreo a capitais e companhias de todo o mundo, decretar a extradição do italiano Cesar Battisti e extravazar, por seus atuais ministros (alguns já escolhidos para integrar a equipe econômica do czar da Economia, Paulo Guedes) a crueza das contas públicas com diagnósticos de ajustes duros, é estender o tapete vermelho para Jair Bolsonaro, duas semanas antes da posse. Por suas convicções ultradireitistas arraigadas, o ex-capitão trocaria as cores do “tapete”pelo verde amarelo ou o verde oliva.

A verdade é que, se encontra dificuldades para explicar problemas das hostes familiares com ex-assessores políticos e entre os escolhidos para o governo, a transição tem sido suave para o presidente eleito. A foto de Jair Bolsonaro (PSL) com Temer (MDB) e a primeira dama Marcela, na cerimônia de batismo do submarino Riachuelo, é rara e confirma a transição sem transe, depois que a forma republicana de transmitir os comandos e as chaves das informações foi inaugurada por Fernando Henrique Cardoso, ao fim de oito anos de gestão, para a futura administração de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, tomar realidade com a situação do país.

Diga-se, de passagem, que a situação ao final de 2002 era dramática. O Brasil, que tinha recorrido ao FMI na gestão FHC, estava quebrado. Sem reservas e com o dólar em R$ 4, por temor de que Lula no poder cumpriria as promessas de discurso da história do PT. A expansão gigantesca da economia da China, que em 2002 era o terceiro importador do Brasil, atrás dos Estados Unidos e Argentina, facilitou o ajuste das contas externas.

Hoje o país tem US$ 380 bilhões em reservas e superávit comercial de US$ 57 bilhões este ano (US$ 67 bilhões em 2017). O grande problema brasileiro hoje é liderado pelo rombo fiscal, pressionado pelo déficit da Previdência, que está exacerbado nas aposentadorias do Judiciário, dos altos escalões da burocracia federal.

Num país com desemprego aberto acima de 12 milhões e um número mais real que supera o dobro, o chamado grupo que está no desalento, pois já desistiu de procurar trabalho num mercado onde a idade, a raça, o gênero e, principalmente, a baixa qualificação, resultado do descuido por décadas na qualidade do ensino, chega a ser um acinte as discussões quanto à reforma da Previdência. Cada segmento privilegiado procura cercar seu pirão primeiro alegando prejuízos a camadas mais pobres, quando seus benefícios estão na raiz do desequilíbrio da Previdência pública e não na universal e limitada, aposentadoria do INSS. Idem a discussão de liberdade econômica numa nação desigual na distribuição de renda e onde grupos empresariais, liderados pelo cartel bancário, acumulam isenções, incentivos e privilégios, em detrimento da água e saneamento básico para todos, saúde, educação, segurança e transportes decentes.

É possível que a impopularidade recorde de Temer, e o acirramento dos ânimos entre direita e esquerda, tenha poupado o presidente na campanha, na qual se manteve neutro. Curiosamente, a posse mais traumática foi a de Dilma II, quando deu uma guinada de quase 180 graus na Economia, ao descartar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antes do final de 2014, e convidar o diretor da carteira de investimentos do Bradesco, o ortodoxo Joaquim Levy, formado pela Escola de Chicago. O cavalo de pau na “nova matriz econômica”, precedido pelo tarifaço, já no final de 2014, uma semana após a reeleição, levou à mega recessão de 2015 e 2016. Levy, que deixou o governo sem completar um ano, volta agora a comandar o BNDES, a convite de Paulo Guedes.

Há quem diga que boa parte da gentileza de Temer seja para almejar simpatia do novo presidente quanto a futuro indulto, quando as pesadas denúncias contra o atual presidente, suspensas pela norma constitucional, que inibe investigações e condenações ao mandatário no exercício do cargo, tiverem curso e consequência. É uma profecia para se esperar para ver.

*Interino. Octávio Costa volta a escrever na próxima segunda-feira.

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artigo | jb