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Suspeita insólita

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Se for levado a sério o mais recente pronunciamento do presidente Nicolás Maduro Moros, da Venezuela, que vem conduzindo e agravando uma das maiores crises humanitárias já assistidas na América Latina, o governo brasileiro – o atual, sem esperar a chegada do próximo – deve pedir explicações formais a Caracas sobre a acusação de que estaríamos comprometidos em uma conspiração para derrubá-lo, plano que nos levaria a um conluio com os Estados Unidos. O pedido se justificaria amplamente, porque há uma tradição, muito nossa, de não nos envolvermos em aventuras intervencionistas no continente ou fora dele; nem tolerar insinuações desse tipo. Na Guerra do Paraguai, o ambicioso ditador Solano, que disso também nos acusou, a História deixou provado que estava à cata de pretexto para alimentar o sonho de uma saída para o mar. É possível que Maduro também esteja pretextando, não olhando para o mar, mas para encobrir as imensas dificuldades que tornam insustentável sua presença no poder.

Governo como esse dispensa armações externas; cai por si mesmo.

Outra razão capaz de esvaziar a suspeita é que temos sido, ao contrário, solícitos hospedeiros de milhares de venezuelanos que fogem das agruras que o singular presidente não consegue tirar dos ombros de seus compatriotas. Fez-se de Roraima um segundo lar para os vizinhos refugiados, ainda que com alguma deficiência inerente à improvisação. Sabedor disso, ele devia, ao contrário de suas suspeitas, manifestar gratulação, porque a fronteira aberta, sem hostilidades e restrições, vem ajudando a reduzir as pressões sociais internas impostas pelas necessidades básicas da população carente.

A mesma suspeita de golpe ele atribui à Colômbia, com agravante de se tramar ali seu assassínio. Em relação aos colombianos, talvez queiram pedir explicações oficiais entre as chancelarias, dependendo do nível de seriedade que conferem ao denunciante; não propriamente ao Brasil, porque os temores – parece – baseiam-se apenas nos encontros que Jair Bolsonaro manteve com emissários da Casa Branca, além da admiração pessoal que tem por Donald Trump; este sim dono de muitas antipatias em relação ao governo de Caracas, agravadas com o recente acerto de colaboração militar da Venezuela com a Rússia. Mas, antes de Bolsonaro tomar posse, mesmo que tenha reservas em relação ao governo do país vizinho, o Brasil não pode ser responsabilizado pelo que, eventualmente, ele pensa sobre a gravidade do momento venezuelano. Portanto, não cabe acusar o país de algo que está fora de cogitação; e se uma insana aventura desse tipo enfeitasse a imaginação do presidente que está chegando, então que a ele sejam cobradas explicações.

Insistindo em que melhor seria negar credibilidade à denúncia, partindo de quem partiu, o que se poderia aceitar das autoridades de Caracas é a manifestação desse desconforto ao escritório particular do presidente diplomado, considerando-se que pretende estreitas relações com Trump, de quem realmente Maduro não pode esperar flores e bombons. A convivência Brasília-Washington, tratando-se de quem vai governar o principal vizinho, pode ser motivo de desagrado, mas sem direito a alimentar suspeita de agressão.

Se não tiver o cuidado de limitar preocupações, longe de estarem suficientemente fundamentadas, o regime Maduro devia cancelar suas insinuações em relação ao Brasil, ao governo e à nação de modo geral. E pedir desculpas pela atabalhoada acusação, que soa, no mínimo, como atitude descortês entre vizinhos.