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Quem intermedeia?

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O presidente Jair Bolsonaro tem insistido num projeto pioneiro para seu governo: pretende estabelecer linha direta de comunicação com os brasileiros, com a novidade de utilizar-se das redes sociais, e apenas elas. Para tomar tal decisão considera que os cidadãos não mais necessitam do instrumento de intermediação para a discussão de temas do governo. Com toda certeza não lhe faltarão oportunidade e sobriedade para explicar melhor esse plano, que dá sinais de insuficiência, além de reduzir o noticiário a conversas eletrônicas que nunca se completam. A primeira questão a merecer sua explicação é o entendimento do futuro governo sobre como definir, a partir de janeiro, o que é ser o agente intermediário que se pretende extinguir. Sem que escape de qualquer observador que o primeiro entre os que têm o papel intermediário é o próprio Bolsonaro, que se elegeu em pleito livre para exercer essa função. Ele intermedeia as aspirações nacionais, para executá-las sob os limites do possível, e não pode achar que é bastante a força do cargo como via de convencimento.

Não tem cabimento admitir “o poder popular não precisa mais de intermediação”. Pois é exatamente agora e desse presidente que mais se vai precisar.

São modestos e frios os recursos das redes sociais para conjuminar direito e dever. O direito da sociedade de manter-se informada sobre ações de seu interesse, e protestar e cobrar, se for o caso; e o dever do presidente de prestar contas de sua gestão. Porque as redes se caracterizam, quase sempre, como se sentiu na recente campanha eleitoral, pela agressão no anonimato ou um monólogo insípido. E, quando ocorre o diálogo, está ele fincado numa relação fria, sem que os temas propostos esgotem a argumentação. Diferentemente, a imprensa tem como insistir na clareza dos fatos, vasculha relações suspeitas, identifica-se e não pode satisfazer-se com declarações formais de laboratórios políticos. É pelas páginas dos jornais e frente às câmeras de televisão que ele deve se expor, deixando as redes para quando quiser falar sem ser interrompido.

O novo presidente, como diz e repete, incomoda-se com a mídia, porque ela prefere os temas desagradáveis. Mas a realidade ensina que cabe noticiar e interpelar exatamente esses, porque o que é ruim exige explicação, não são superficiais como homenagens e recepções festivas que se completam e se encerram em si mesmas. Queixou-se, no fim de semana, de grande parte da mídia de ser tolerante com seus adversários, o que não corresponde, pois as cadeias andam cheias de seus inimigos denunciados pela imprensa, sendo que muitos deles batalharam para dar rumo diferente à eleição, que acabou içando a bandeira bolsonarista. A distância entre o que o governante gosta de ver publicado e o que a imprensa tem obrigação de publicar resulta em numerosas e antigas diferenças, muitas vezes gerando intolerância e morte. Como se sabia na História antiga, em que soberanos mandavam executar o cavaleiro que chegava com notícias trágicas do campo de batalha…

O estadista, qualquer que seja o nível de seu respeito à democracia, deve entender a natural prevalência das más notícias que tomam conta da mídia, porque elas são exceção, fogem à regra, deturpam, desorganizam, e por isso despertam o dever dos comunicadores não oficiais. Ainda bem. Pior se o crime, de tão comum e corriqueiro, nem merecesse mais as páginas dos jornais.

Suporte o senhor presidente, com elegância e pundonor, os jornalistas que não vierem com boas novas.

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