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Parque Lage: rejuvenescido no centenário

Projeto de restauração foi aprovado pelo MinC e deve ser concluído até 2020

Marcos Tristão, Divulgação e reprodução Youtube -
A imponência do palacete, com a fonte e o único trecho de jardim francês. Abaixo, as Cavalariças, com o Cristo ao fundo
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Durante os oito anos em que o industrial Henrique Lage (1881-1941) usufruiu do palacete que reformou por dez anos para sua amada (1933-1941), a cantora lírica italiana, Gabriela Besanzoni — tal qual o imperador Shah Jahan fez com o Taj Mahal para sua esposa predileta —, seu uso se restringia a uma casa de veraneio e de recepções. Tanto que o imóvel de estilo eclético, que pertenceu a seu pai, passou por reformas para este fim, pelo arquiteto italiano Mario Vodret. Os 1.815m² do pavimento nobre — dos 4.481m² dos três andares — foram divididos em cinco apartamentos: o ocupado pelo casal, com estrelas em alto-relevo nas paredes cinza adornadas de dourado, e os outros quatro, para hóspedes. Cada um tinha seu próprio hall, banheiro e todos dispunham de acesso direto à piscina, onde podiam mergulhar do jeito que vieram ao mundo ou com os trajes de banho da época, detalhe que fica a cargo da imaginação.

Em 1957, o palacete e a área de 600 mil m², integrada ao Parque Nacional da Tijuca, aos pés do Cristo Redentor, foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Três anos depois, o empresário Roberto Marinho tentou comprar parte da área para sediar a TV Globo. A propriedade, porém, foi desapropriada e passou a abrigar, em 1966, o Instituto de Belas Artes, adaptado, em 1974, para a Escola de Artes Visuais (EAV) pelo artista Rubens Gerchman. No mês passado, o Ministério da Cultura (MinC) aprovou o projeto de restauro do Parque Lage pela Lei Rouanet, de R$ 42,6 milhões, e o diretor Fábio Szwarcwald, a partir de janeiro, começa a captar os recursos com a iniciativa privada. “A ideia é reinaugurar um Parque Lage totalmente remodelado em 2020, quando completa seu centenário”, planeja.

Só este ano, este economista do mercado financeiro e colecionador, apaixonado por arte, de 46 anos, reuniu números superlativos em sua gestão: foram investidos R$ 460 mil na EAV, captados com a iniciativa privada — só o crowdfunding para o Queermuseum gerou pouco mais de R$ 1 milhão e atraiu 40 mil visitantes para a exposição, palestras, performances e shows —, mais de 52.500 mil visitas gratuitas, mil alunos na EAV e mais de três mil crianças no Parquinho Lage, espaço de artes para os pequenos criado em julho de 2017, sendo 2.300 delas não pagantes do Complexo da Maré, Ciep Humaitá e Viva Bangu. “Nosso papel social tem sido exercido plenamente, o que ajuda a atrair as captações”, diz ele. “Com as reformas, poderemos dobrar esses números”, aposta.

O projeto de reforma foi costurado entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — a quem estão afetados o palacete e os jardins, e que cedeu o uso à EAV por um contrato de comodato de 20 anos assinado em 2009 —, o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Secretaria de Estado de Cultura (SEC) e a Associação de Amigos, criada em agosto de 2017, que responde pela gestão administrativa e financeira do espaço.

Quem conquistou a carta-convite para a reforma, em 2013, foi a Francisco Hue Arquitetura, responsável pela restauração do Teatro Municipal. Foi contratada, então, uma equipe multidisciplinar, que começou a mergulhar no Parque Lage. No entanto, exigências da SEC adiaram o projeto, só retomado pelo escritório em agosto de 2017. A partir daí, teve início a confecção do projeto executivo, que incluiu a restauração do palacete e do parque, com a confecção de um mapa até então inexistente. “O parque acabou virando um mato e foi invadido por jaqueiras e fícus, que serão removidos e terão os troncos reaproveitados em áreas destinadas às crianças. O jardim inglês, de aparência natural, será recuperado com espécies da Mata Atlântica”, explica Hue, titular do escritório.

Pela primeira vez, a EAV poderá ter salas de aula projetadas para este fim, porque essa adaptação foi feita à base de gambiarras, desde que o palacete mudou de uso. O acesso a cadeirantes, instalado quando o governo inglês alugou o imóvel durante as Olimpíadas, será removido da fachada. Uma das maiores intervenções do projeto será a construção de uma torre para este mesmo fim, nos fundos, com 13,5m de altura, igual à da casa, que terá banheiros feminino e masculino em dois dos três pavimentos e ‘escadas percurso’, de onde será possível admirar a beleza arquitetônica do prédio e a natureza.

O novo acesso vai permitir a reabertura da laje do Lage, um mega espaço multiuso de 1.531m², hoje fechado por exigência dos bombeiros. Era lá de cima, de uma altura de 17m, que Besanzoni gostava de cantar para seus convidados, reunidos em torno da piscina, de 98m², que serviu de locação para filmes como “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, e “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade. Outras novidades serão a remoção do restaurante, hoje em funcionamento ao redor da piscina, para a área atrás das Cavalariças, que será revitalizada pelo bistrô, com pérgola metálica, madeira e vidro. A seu lado, haverá uma praça para obras de arte de grande porte, de forma a inserir, no circuito dos visitantes, um grande ambiente até então inutilizado.

As cavalariças — onde será inaugurada hoje a exposição “Formação e Deformação”, com obras de 22 artistas da EAV —, que já haviam passado por uma restauração parcial para receber a Queermuseum, também serão alvo de ampla recuperação. E a casa da guarda, na entrada, funcionará como um centro de informações de tudo o que existe dentro do Parque Lage. Afrescos, como o encontrado numa sala do piso térreo, serão recuperados e restaurados.

Todo o palacete será climatizado, e a iluminação, reformulada, ambas da forma mais invisível possível. Para tanto, será enterrada uma subestação que aumentará a carga elétrica e viabilizará estas intervenções. Os inúmeros danos a detalhes arquitetônicos do palacete, como ao magnífico teto de estuque do salão nobre, onde a Besanzoni também gostava de soltar a voz, serão recuperados.

São tarefas a serem divididas entre a MBA Paisagismo, a LD Studio de Iluminação e a Decatlo, de restauração, de Márcia Braga. “A ideia do projeto foi criar um suporte, com espaços de vocação específica e outros abertos à versatilidade dos vários tipos de uso”, resume Francisco Hue.