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A física e os benefícios para a sociedade

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A curiosidade do homem tem nos levado a caminhos incríveis do conhecimento. Foi atrás do que há de mais elementar na natureza que a comunidade europeia construiu, no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), na Suíça, o maior acelerador de partículas, o Large Hadron Collider (LHC) para estudar, em detalhes, as interações elementares com violentíssimos choques próton-próton e seus companheiros do microcosmo. A partir da operação do LHC conseguiu-se fazer importantes descobertas científicas, sendo a mais recente a descoberta do bóson de Higgs, indevidamente apelidada de partícula de Deus. 

Existem dois momentos fundamentais nas pesquisas sobre as partículas elementares. O primeiro, crucial, é o da sua descoberta. É a partir daí que podemos concluir a correção ou não de uma dada teoria. Em geral, é nesse momento que se revelam algumas situações surpreendentes, capazes de alterar nossa descrição do microcosmo. Outro se refere ao estudo das propriedades da partícula, que pode ou não confirmar como essa descoberta se insere no cenário padrão até então conhecido. 

Os experimentos no LHC se organizam por meio de colaborações internacionais entre muitos países, envolvendo vultosos investimentos, de pessoal e de maquinaria. Costuma-se dizer que “o órgão que mais investe mais ganha”. Isso se refere não somente a investimentos financeiros, mas inclusive no investimento intelectual. Outro aspecto de interesse nessa forma de trabalho científico é a multidisciplinaridade, envolvendo a interação entre grupos de físicos, engenheiros e técnicos. Um único experimento pode envolver até quatro mil cientistas, oriundos de mais de 60 países e uma centena de institutos, o que cria um ambiente de intensa interatividade.  

Esse ambiente é tão solidário que eu ousaria sugerir que deveria ser mandatório as autoridades responsáveis pela administração dos diversos países fazerem uma visita ao Cern, pois lá descobririam esse universo de intensa cooperação, tão diferente do nosso quotidiano. 

Embora tenha havido inúmeras oportunidades e convites para o Brasil se associar de modo completo ao Cern e fazer parte desse mundo atual da ciência, a administração brasileira nunca respondeu positivamente a esse convite.   

Essa atitude é, na minha opinião, herança do colonialismo do qual nunca nos livramos. A atividade de pesquisa científica não faz parte da visão de mundo da elite brasileira. No entanto, em alguns breves momentos, a burocracia paralisante é vencida, como no caso da excelente proposta original do programa Ciência sem Fronteiras, malgrado sua execução tenha deixado a desejar.  

Talvez fosse importante notar que o Cern não é somente um laboratório de interesse em física de partículas, mas possui também um foco na geração de instrumentos que serão utilizados, não somente em seus próprios experimentos, como transcendem resultados práticos para a sociedade, gerando conhecimentos aplicáveis em outros campos como, por exemplo, na medicina.

Com efeito, os aceleradores de partículas são máquinas de extrema utilidade em importantes áreas de interesse para a sociedade – como na indústria; no tratamento do câncer; na ecologia, onde é empregado no tratamento de esgotos, lixo, alimentos etc. A tecnologia usada nos aceleradores foi aplicada também na produção de células para a energia solar. Só para citar uma aplicação prática, o aeroporto internacional de Genebra, na Suíça, possui um grande número dessas células, o que o torna em parte autossustentável, trazendo, com isso, enorme economia para o seu país. 

Como a sociedade brasileira poderia se beneficiar da tecnologia proveniente dos experimentos da área da física de partículas conforme se desenvolvem hoje no Cern? Um exemplo significativo foi abortado recentemente na tentativa de trazer para o Brasil um projeto de um Positron Emission Tomography (PET), para exame de câncer de mama. Esse projeto daria uma instrumentação nova, de ponta, para os hospitais públicos e com a vantagem adicional de criar no país um grupo de expertise em manutenção. Isso nos libertaria da necessidade de importar tal instrumento.  

Há um aceno no horizonte próximo para todos nós, cientistas e técnicos que colaboramos com equipes do Cern, pois o LHC programou uma reestruturação de suas atividades, abrindo a oportunidade de que o Brasil possa participar nessa empreitada de forma eficiente e definitiva. Nosso otimismo, no entanto, esmorece na medida em que consideramos os parcos recursos que hoje são destinados para a ciência no Brasil.

* Professor titular aposentado da Uerj