Na gangorra de instabilidades em que se transformou a América Latina, volta a vez da Argentina descer, e a surpresa é que o México parece que vai subir. A Argentina havia sido “the case”, o modelo que os organismos financeiros internacionais apontam como a referência a seguir. Foi quando, valendo-se dos traumas causados pela hiperinflação, Carlos Menem implantou a paridade entre a moeda argentina e o dólar por decreto. O país não poderia imprimir moeda sem a entrada dos dólares correspondentes.
O um a um transformou rapidamente o poder de compra dos argentinos, ao mesmo tempo em que impunha uma sensação de alívio. Como se perdia muito sangue, o governo engessou as veias da economia argentina. A economia parou, as importações se impuseram e o país viveu uma lua de mel de ilusões, que nenhum político tinha coragem de propor o fim, porque acabaria o festival de consumo em que viviam todos. Veio a implosão do modelo pela gigantesca dívida pública que produzia, as pessoas tiveram que se dar conta que a paridade não era de um a um, mas de quatro a um, e foram quebrar os bancos para recuperar o dinheiro – e o futuro – perdido. Foi no que deu aquele “case” que felizmente nenhum outro governo seguiu.
Mais recentemente foi na Argentina que a contraofensiva conservadora encontrou de novo um “case”. A derrota do peronismo kirchnerista era um sonho da direita argentina há muito tempo e veio pelas mãos de um hábil político de direita, ex-presidente de uma época de ouro do Boca Juniors e por duas vezes prefeito da conservadora cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri.
Orientado por um marqueteiro equatoriano de sucesso nos mercados da região, Macri se projetou como quem ia sepultar o peronismo, não apenas com o eventual sucesso do seu duro ajuste fiscal, como também com a judicialização da política argentina, perseguindo Cristina Kirchner e vários de seus ex-ministros, assim como líderes sindicais. Uma direita que, ao contrário da brasileira, voltava ao governo com maioria eleitoral e tinha mais perspectivas de voltar para ficar.
Mas não bastou o marketing para Macri. Ele nunca conseguiu domar a inflação de que acusava sistematicamente Cristina; a economia, lá como cá, não retoma o crescimento, o empobrecimento generalizado da população, inclusive da classe média, generalizou-se e, sintoma sempre da crise argentina, o dólar disparou. Desde a crise de fim da paridade, em 2001-2002, os argentinos passaram a desconfiar dos bancos e passaram a poupar em dólar, que Macri prometeu que ia baixar radicalmente.
O fracasso da política econômica levou o dólar a superar a marca dos 20 pesos, e Macri não teve alternativa senão subir drasticamente a taxa de juros, com os efeitos que se pode imaginar no aprofundamento da recessão, do desemprego e do desgaste salarial. Termina sua lua de mel: mal como todas aquelas centradas no ajuste fiscal.
Já no México, depois de quatro tentativas, duas delas derrotadas por fraude, a esquerda está pronta para ganhar as eleições de primeiro de julho, com a terceira campanha de Andres Manoel Lopez Obrador. Ele lidera com ampla vantagem as pesquisas, enquanto os candidatos dos dois partidos tradicionais da direita – o PRI e o PAN – não conseguem enfrentá-lo nem sequer decidir pelo voto útil a favor de algum deles.
A campanha se aproxima do seu fim, restam apenas 13% de indecisos, enquanto todas as pesquisas dão vantagens bem maiores a Lopez Obrador, e o voto útil não parece funcionar, abrindo caminho para que o vizinho dos Estados Unidos, vítima privilegiada das políticas tresloucadas de Donald Trump, que incluem a obsessão pelo muro na fronteira, elege alguém que possa fazer o México se reaproximar da América Latina e de políticas de distribuição de renda.
Aí, definitivamente, os olhares se voltarão para as eleições brasileiras, que, se ajudarem a interromper a ofensiva conservadora, reabriria uma nova fase da política latino-americana, talvez mais estável e menos volúvel às oscilações da economia internacional.
* Sociólogo