Primeiro abraço ninguém esquece.
O meu foi na Lagoa. Campanha do Gabeira, indo para a segunda eleição direta para governador, tomáramos gosto pela coisa. Gosto de quero-mais.
Mas tampouco esqueço o gosto ácido da música de Gil, anos antes. Abraço no meu Rio, mas também canção de exílio, nos dizendo de um tempo em que as aves pararam de gorjear.
Voltei a pensar nisso, ao ler, no prestigioso “Informe JB”, que engenheiros, ao visitarem o Hotel Glória, ou o que dele sobrou, afirmaram ser mais barato demolir do que o recuperar.
É certo que engenheiros têm, por origem, a guerra e suas máquinas – os engenhos – e só quando começaram a trabalhar em tempos de paz surgem como engenheiros civis.
Seja lá como for, civis ou militares, não lhes cabe pesar estruturas com a balança de economistas neoliberais. Um médico não condena um paciente porque o tratamento sai caro. Nessa linha obscura, já há quem defenda, em face da nossa democracia capenga, suprimi-la, sem abraçá-la.
Vivemos a era do descarte fácil, acirrado pela proliferação de equipamentos dos quais se diz mais barato repor do que consertar. A obsolescência programada cria a abundância de lixo eletrônico e chega ao urbanismo, à Cidade Genérica, que Rem Koolhaas advoga, dizendo que, independentemente do continente que as abrigue, não só tendem, mas buscam se perder: “quanto mais força tiver a identidade, mais ela aprisionará, resistindo à expansão, à renovação, à interpretação, à contradição”, sugerindo que esses atributos, portanto, devem ser perseguidos. Sorria, você está na Barra.
Verdade que o conservadorismo paralisa, mas nem por isso a perda da identidade é libertária. Entre a tábula rasa, que Koolhaas nos propõe, e o patrimonialismo que engessa, a preservação de salvaguardas culturais, identitárias, se impõe.
Dia 17 de agosto, saibam todos, é o Dia Nacional do Patrimônio Histórico, por ser a data do nascimento de Rodrigo Melo Franco, fundador e primeiro diretor do órgão que atualmente se chama Iphan e que, não à toa, é criação do Estado Novo.
De fato, o arcabouço legal do patrimônio histórico brasileiro provém de um decreto-lei de um governo de mão pesada. O tombamento, embora inestimável, não é ato, política ou ideologicamente, isento. Eternizar é uma escolha.
Demolir também. Demolir o Hotel Glória não é, portanto, apenas uma relação custo-benefício, mas o aval para que, doravante, se poderá, simples e arrogantemente, adquirir um bem tombado, achar que não lhe é suficientemente digno e dar início a um mirabolante projeto de recuperar feições arquitetônicas, que vivente algum conheceu, e produzir o arruinamento, que todos conhecem.
Para comemorar o Dia do Patrimônio, entidades de arquitetos propuseram que, no sábado seguinte, em cada município do país, houvesse abraços a um bem, que lhes seja caro, e sintam a ameaça de perdê-lo. Aqui no nosso estado, Niterói já convida para que, às 10 horas, abracem o Cine Icaraí.
Mas no Rio, a escolha é dura. O Automóvel Club? Que a prefeitura desapropriou e dele nada faz, além de deixar cair? O antigo Colégio Jacobina, que, ao contrário, a prefeitura usou por 20 anos e, súbito, devolveu aos proprietários? Ou o último oratório da cidade, o do Carmo, escorado há mais de dez?
O conjunto da Primeiro de Março, criminosamente transformado em corredor de ônibus? A Leopoldina? O Asilo São Cornélio? Ou o prédio do próprio Iphan, que, na semana passada, foi surrupiado das maçanetas? Difícil, né?
Optou-se, assim me informam, por abraçar, no próximo sábado, às 15 horas, o retro citado Hotel Glória, vitimado pela prepotência empresarial e abandono ignominioso.
Combinado, então? Em agosto, Patrimônio. Em outubro, a Democracia. E aí, é correr pro abraço.
* Arquiteto DSc