Continuando a reportagem publicada ontem, sobre a influência do sistema de ar condicionado em tempos de disseminação do Coronavírus, e na qualificação do mesmo como um aliado ou vilão, escolhas erradas podem afetar nessa questão.
Aparelhos conhecidos como Split têm sido instalados indiscriminadamente, em muitos casos sem projetos e atendimento às leis, normas e recomendações da Anvisa. São muito comuns em ambientes como residências, restaurantes, salões de beleza, lojas, clínicas de atendimento médico, escolas e, pasmem, em hospitais.
Ocorre que em todos esses locais, se não houver a instalação de um sistema de captação de ar externo adequado, o ar não sofre nenhuma renovação, criando uma condição insegura à qualidade do ar interno. Se pensarmos nas atividades da cozinha de restaurantes, onde a queima de gás pode ser incompleta, gerando monóxido de carbono ao ambiente, ou mesmo na quantidade de compostos químicos voláteis existentes nas substâncias utilizadas em salões de beleza, por exemplo, vemos a urgência na renovação do ar interior com riscos significativos à saúde dos que ali respiram.
O sistema de condicionamento de ar pode ser um aliado importante quando corretamente instalado e mantido dentro das condições adequadas de higiene e operação. Entretanto, caso essas rotinas sejam negligenciadas, o acúmulo de particulado e matéria orgânica também pode torná-lo um meio propício para crescimento de microrganismos, os quais poderão acarretar doenças aos usuários desses ambientes.
Na verdade, em relação apenas ao Covid-19, o sistema de climatização não irá eliminar a presença do vírus no ambiente, apenas pelo seu sistema de filtragem ou pelo controle de umidade e temperatura. A menos que seja instalado um dispositivo de desinfecção contínua, o ar insuflado não será suficiente para conter a contaminação no ambiente.
Mas precisamos ampliar o horizonte e pensar que partículas podem transportar o vírus (ainda que baixa probabilidade), que ele pode infectar bactérias (e manter-se ativo e viável por mais tempo) e, o mais importante, estudos já indicam que os pacientes que estão se recuperando da doença apresentam certa deficiência na capacidade pulmonar. E, assim, ambientes comprometidos poderão ser ainda mais perigosos a essas pessoas num futuro próximo.
Algumas normas técnicas foram publicadas pela ABNT, no intuito de agregar conhecimento à manutenção e operação desses sistemas, dentre as quais destacam-se:
NBR 16401:2008 – “Instalações de ar condicionado – Sistemas centrais e unitários”.
NBR 15848:2010 - “Sistemas de ar condicionado e ventilação – Procedimentos e requisitos relativos às atividades de construção, reformas, operação e manutenção das instalações que afetam a qualidade do ar interior (QAI)”
NBR 14679:2012 - “Sistemas de condicionamento de ar e ventilação — Execução de serviços de higienização”
NBR 16101:2012 – “Filtros para partículas em suspensão no ar — Determinação da eficiência para filtros grossos, médios e finos”
ABNT NBR 13971:2014 - “Sistemas de refrigeração, condicionamento de ar, ventilação e aquecimento — Manutenção programada”
ABNT NBR 7256:2005 – “Tratamento de ar em estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) – Requisitos para projeto e execução das instalações”
Os estudos ainda são muito recentes e as descobertas científicas vêm se apresentando conforme as pesquisas são desenvolvidas. Mas com base no material que já temos é possível garantir que a manutenção do sistema de climatização será ainda mais impactante num futuro bem próximo.
Pena que a cultura de manutenção preventiva esteja vindo pela dor e não pelo amor. Estamos sentindo na carne as consequências do profissional irresponsável que realizou uma instalação sem os devidos cuidados e conhecimentos técnicos necessários.
O prof. Humberto Mota Filho, advogado especializado em Direito Empresarial e Compliance, presidente da Comissão da Transparência Pública da OAB RJ, ressalta a importância da integridade nas relações comerciais. “Se você não consegue mensurar os riscos, tudo vira incerteza. Precisamos evitar isso, precisamos derrotar a epidemia da desconfiança e o vírus Covid-19 simultaneamente. Assim poderemos seguir o Plano de Contingência de forma mais efetiva. É preciso criar e manter a cultura da integridade. Precisamos acabar com a visão de certos empresários que não enxergam que na sociedade de risco, compliance não é perfumaria, mas sim oportunidade!”
Sendo assim, importante ressaltar que a escolha é do consumidor. Ele pode optar em ter no ar condicionado um aliado ou, simplesmente, ignorá-lo e criar um "monstro". É preciso ser responsável e coerente nas operações. Cobrar assiduamente ações fiscalizadoras dos órgãos competentes, para que se possa, enfim, acreditar no ar que se respira.
Como afirma o empresário e colunista do JB Ricardo Salles, apontando o norte na colaboração ativa, “Hoje, todos somos fiscais, cada cidadão que desconfie da qualidade do ar da empresa onde trabalha, do restaurante onde almoça, da escola onde seu filho estuda, do cinema que vai ou de qualquer outro estabelecimento, deve registrar (fotografar/filmar) e denunciar para averiguação, mesmo que anonimamente, ao Ministério Público.”
A seguir os links: no Rio de Janeiro - MPRJ, em São Paulo - MPSP ou pelo telefone 127 em todo território nacional.
Christiane Lacerda é Engenheira Química formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela FGV/SP; Especialista em Qualidade do Ar e Poluição em Ambientes Interiores formada pelo PECE/USP; Especialista em Tratamento Químico de Sistemas de Resfriamento à Água, com mais de 20 anos de experiência na área; Especialista em tratamento químico e ensaios laboratoriais de águas, ar e efluentes; Presidente da ABEMEC-RJ; Coordenadora do Departamento Estadual de Qualidade do Ar Interior e Diretora de Marketing do Sindratar RJ; Coordenadora do Programa de Mulheres do Sindratar SP; Membro ASHRAE; Diretora Técnica na GHS Indústria e Serviços Ltda.