Não há dúvida de que a “manufatura do mundo” é hoje a China.
Bens dos mais variados ramos industriais hoje consumidos em todo o mundo são,
em sua grande maioria, produzidos nesse país. Mesmo artigos vinculados às
tradições de outros povos ou nações, comoos disfarces e apetrechos do carnaval
brasileiro e até mesmo a barretina,
gorro-símbolo da identidade catalã, são hoje Made in China.
Procurando alterar esse quadro, o recém-eleito primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, lançou na semana passada uma barulhenta campanha com o sugestivo nome de Make in India. Com ares hollywoodianos (ou bollywoodianos), a campanha foi inicialmente lançada na própria Índia e, logo na sequência, nos EUA. O premiê indiano é um empresário de sucesso em seu país e conclama seus pares internacionais, os empresários do mundo todo, a produzirem na Índia.
Dentro da Índia, a alegação principal do governo é que a chegada massiva das multinacionais gerará empregos, motivo mais do que nobre em um país com um imenso contingente de desempregados. Fora da Índia, porém, a alegação é outra. O mote principal da campanha procura convencer os empresários por meio do argumento de que produzir lá é barato.
E é exatamente aí que emergem as contradições. Por que seria tão barato produzir na Índia? A razão certamente não é única, mas alguns jornais, baseados em declarações do premiê, já têm explicitado o que está na essência da referida campanha: produzam na Índia, porque a mão-de-obra indiana é barata. Se quisessem ser ainda mais explícitos, a campanha seria: produzam na Índia, porque os salários aqui são baixos.
Além disso, para não deixar nenhuma margem de dúvida aos empresários globais quanto à pechincha da mão-de-obra indiana, o governo comprometeu-se com a possibilidade de ajuste dos horários laborais à necessidade das empresas; e pelo uso mais disseminado do trabalho dos estagiários.
Essas ideias, na verdade, não são novas. Ao contrário, são parte do núcleo constitutivo do sistema capitalista e da Divisão Internacional do Trabalho, que incumbe aos países periféricos a função histórica de fornecer ao mercado mundial, além de matérias-primas, uma mão-de-obra barata. De toda forma, chama a atenção que o líder de um país suba num palanque em Nova Iorque para anunciar aos investidores internacionais, como uma marca de sua bandeira nacional, a pertinência da exploração do trabalho de seu povo. Venham para a Índia, porque aqui vocês pagarão salários baixos e terão uma legislação trabalhista frouxa; em outras palavras, terão o trabalho de nosso povo à vossa disposição.
Se as ideias não são novas, as consequências também não serão. A campanha está sendo bem vista pelos grandes atores do mercado mundial e provavelmente gerará um dinamismo temporário na economia indiana. No entanto, ao mesmo tempo em que novos empregos estiverem sendo criados, os salários estarão sendo mantidos em baixos patamares e os trabalhadores indianos estarão cada vez menos protegidos pela legislação. Enquanto isso, essas multinacionais estarão lucrando como nunca e enviando parte relevante desses lucros para as matrizes, como historicamente sempre aconteceu.
Saindo do atual contexto indiano e pensando em termos mais gerais, o imbróglio é grande. A busca pela competitividade é inquestionavelmente importante e, mais do que isso, necessária em uma economia de mercado. Mas buscar essa competitividade pela “redução do custo do trabalho” ou pela “manutenção de um baixo custo do trabalho” – como costumam dizer os economistas para não transparecer sua defesa por baixos salários – é um argumento a ser rechaçado por uma Nação que refuta o status de colônia, pois revela uma escolha clara por onerar o trabalhador, ou seja, a maior parte de seu povo.
Por particularidades de seu regime político-econômico, a China consegue produzir a preços baixíssimos. Mas se a moda pegar e os governos dos demais países resolverem adotar salários chineses para ampliar a competitividade nacional, a exploração da classe trabalhadora mundial atingirá graus ainda mais escorchantes.
De toda forma, é preciso atenção, porque as estratégias podem ser explícitas, como a indiana, ou disfarçadas, indiretas, o que é até mais comum. Esperemos que os holofotes da campanha Make in India iluminem também as estratégias menos ruidosas – mas igualmente nocivas – daqueles que buscam a competitividade do setor produtivo nacional pelo achatamento dos salários e pela redução dos direitos trabalhistas.
*Bruno De Conti é professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon/Unicamp)