O documentarista Eryk Rocha estreia na ficção com filme sobre um funcionário público solitário Carlos Helí de Almeida BRASÍLIA O 43º Festival de Brasília assistiu anteontem à estreia do documentarista Eryk Rocha na ficção. Não que Transeunte se abstenha completamente do registro documental que marcou os três primeiros longas-metragens do autor de Pa chamama (2008). O filme acompanha, quase literalmente, as andanças do protagonista dentro dos limites de sua vida como funcionário público aposentado, habitante de um quarto e sala no Rio. -->Aos 65 anos, Expedito é uma das muitas figuras anônimas que, recém-liberado do trabalho, descobre-se sem função na vida. Viúvo e sem família próxima, ele gasta seu tempo entre longas caminhadas pelo Centro, acompanhando as transformações arquitetônicas e humanas da região, e cochilos no sofá da sala. Filmado em preto e branco e com uma câmera ora distante, ora muito próxima, a transição entre gêneros acontece sob as bênçãos da grife Videofilmes. -->– O filme nasceu de uma imersão no Centro da cidade, de um mergulho no universo da gente que transita por aquela área e no dia a dia dela – explicou o diretor que dedicou a obra àqueles que o “puseram no mundo”, os cineastas Paula Gaetan e Glauber Rocha (1939-1981). – É daí que vem a interferência documental na história. A gente construiu o personagem como se fosse fazer um documentário dele. -->As poucas informações sobre o personagem vêm de pequenos detalhes de seu cotidiano. Ele vela o sepulcro da mãe, que morreu de um câncer no intestino, e seu laço familiar mais próximo é uma sobrinha a quem vê nos dias de seu aniversário, e que sempre o deixa desconfortável ao lembrar a ausência da sua tia. Descobre o prazer de acompanhar as serenatas nas boates do bairro. Expedito, como reforça Eryk, é “o que vive em estado de solidão profunda”. -->– Que marca uma pessoa como Expedito deixa de sua passagem pelo mundo? Era essa a questão que me intrigava – conta. – Achei que o cinema seria uma boa forma de marcar a passagem de um personagem como esse pelo mundo. -->O personagem quieto e solitário é interpretado por Fernando Bezerra, veterano ator e autor de teatro, que já deixou sua marca em filmes como Sar gento Getúlio (1983) e Frontei ra das almas (1987). -->– A primeira dúvida que ocorreu foi: como fazer um filme em que, aparentemente, não acontece nada – brincou Bezerra. – Aos poucos, percebi que muita coisa acontece com ele. A vida evolui porque ele caminha. E o caminhar dele não tem a ver com vencer espaços, mas com concentrar tempo. -->O repórter viajou a convite da organização do festival.