Uma longa e arriscada viagem foi realizada pela Marinha do Brasil nos estertores do Império carregando 197 homens - 22 oficiais, 126 marinheiros imperiais, 15 foguistas e 21 soldados navais. Foi a primeira circum-navegação de um navio brasileiro e muitos marinheiros acabaram ceifados por enfermidades como o beribéri. Alguns, desertaram e outros não puderam voltar com a guarnição, pois permaneceram hospitalizados. A viagem de volta ao mundo durou 430 dias, sendo 268 de viagem e 162 nos portos e foi comandada pelo capitão de fragata Júlio César de Noronha.
O navio carregou consigo também a primeira missão diplomática brasileira que por três anos buscou um acordo para trazer ao Brasil mão de obra chinesa. A missão, cercada de polêmica no Brasil e no mundo, teve como enviados extraordinários o diplomata Eduardo Callado e o contra-almirante Arthur Silveira da Motta, futuro barão de Jaceguai.
A primeira missão diplomática brasileira à China (1879-1882) aconteceu em meio a uma grande polêmica, uma animada controvérsia que ficou conhecida como “A Questão Chinesa”. A escravidão estava com seus dias contados. Em 1850 havia sido promulgada a Lei Eusébio de Queiroz que proibia o tráfico de escravos. Em 1871 foi sancionada a Lei do Ventre Livre que estabelecia que os filhos de escravas nascidos após aquela data ganhariam a liberdade.
As pressões aumentavam, escravos fugiam, os abolicionistas ficavam mais fortes, a Inglaterra cobrava o fim da escravidão. Num ambiente pré-republicano, a grande incerteza era de quem iria substituir a mão de obra negra nas grandes lavouras do pais. Os cafeicultores, cuja produção estava em expansão, ansiavam por novos braços para suas fazendas.
Para muitos, o trabalhador asiático dócil e barato era a opção mais segura. E mais: o chinês, se comparado ao imigrante europeu, tinha comprovada eficiência braçal, tendo em vista o que já havia feito em Cuba, Estados Unidos e Peru.
Assinado em 5 de setembro de 1880, o tratado coma China tinha muitas imperfeições. Quem constata isto são os próprios ministros brasileiros que encabeçavam a missão.
Segundo eles, negociado em circunstâncias desvantajosas, o tratado ressentiu-se de algumas “lacunas e, principalmente, de defeitos de forma. Todos os nossos esforços, porém, foram baldados, no sentido de dar-lhe a forma concisa e genérica do projeto de tratado” que havia sido escrito pelo Ministério dos Estrangeiros do Brasil. “Nada repugnava mais ao espírito casuísta dos negociadores chineses do que as nossas emendas, em que reproduzíamos integralmente os artigos do projeto dessa Secretaria de Estado”. Por exemplo, o vice-rei não quis que figurasse no tratado “a condição de que o exequátur dos cônsules será dado gratuitamente, e pediram que esta cláusula fosse estipulada em protocolo separado, por ocasião da troca das ratificações ”.
Marli Cristina Scomazzon e Jeff Franco, coautores das obras "A Caminho do Ouro – norte-americanos na Ilha de Santa Catarina" (2015) e "História Natural da Ilha de Santa Catarina: o códice de Noronha" (2017), fizeram pesquisas em diversos arquivos brasileiros e de outros países para coletar documentos, fotografias e ilustrações para o livro, que aborda um tema até agora inédito. A obra foi editada pela Dois Por Quatro Editora, de Florianópolis-SC.
“Nossa proposta foi recuperar uma aventura levada com heroísmo por centenas de marinheiros anônimos, alguns dos quais até perderam a vida. A viagem é um episódio da história brasileira que estava escondido em vários repositórios. Em outros arquivos foi possível recuperar os registros da primeira missão brasileira à China, envolvendo uma grande polêmica, o que é um exemplo de como os fatos evoluem na crônica da vida política do nosso país”, explicam os autores. “Escrevemos este livro com muito entusiasmo por recuperar um tema até então inédito, uma parte interessante da memória nacional e também por ser uma história repleta de curiosidades”.
O diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha do Brasil, vice-almirante José Carlos Mathias, autor da apresentação, ressalta que o trabalho dos pesquisadores, mais que trazer pormenores estatísticos da primeira circum-navegação brasileira e da missão inaugural do Brasil à China, lança luzes sobre a sociedade na segunda metade do século XIX: “Um exercício genuíno de análise política, econômica e social”.
Para Mathias, ao mesclar fontes diversas – relatos da viagem, correspondências oficiais, jornais e outras –, “os autores constroem um rico cenário do período, ao mesmo tempo em que descrevem e analisam a vida e as dificuldades a bordo a partir dos Livros de Quarto (indexados como Livros de Bordo) e dos Livros de Socorros, cujos registros primários possibilitaram trazer um olhar de dentro da própria viagem”.