Leandro Basílio Rodrigues, o Maníaco de Guarulhos, chutava várias vezes a cabeça de suas vítimas, todas mulheres, para certificar-se de que elas estavam mortas.
Foi o que o próprio assassino, que matou ao menos quatro mulheres segundo sentença de 2015, contou para Ilana Casoy, diz a criminalista que está no comando de "Em Nome da Justiça" (AXN), série documental sobre casos de pessoas presas injustamente.
Um crime reconhecido por Casoy como de autoria do Maníaco de Guarulhos foi, nos tribunais, atribuído a outros três homens. Eles acabaram presos e ainda sofrem consequências diversas por causa da acusação que sofreram. Entre eles, está Renato Correia de Brito, ex-namorado da vítima, cujo cadáver apresentava vários ferimentos na cabeça.
A condenação de Renato será o tema do primeiro de treze episódios que seguem o interesse da audiência por casos similares aos de "Olhos que Condenam", produção da Netflix sobre o erro na condenação de cinco negros por estupro e assassinato.
Essa leva, para Casoy, segue a "saturação no audiovisual" de retratos de casos focados em assassinos e psicopatas. "Só se fala disso, cara; desde que existe a cota nacional [lei que desde 2012 obriga canais pagos a exibirem produções brasileiras], que os canais têm mil programas não só com a mesma cara, mas até com os mesmos crimes", diz ela.
Advogada que desenvolveu interesse pela literatura e pelo audiovisual, Casoy é autora de "A Prova é a Testemunha", sobre a morte de Isabella Nardoni, e "O Quinto Mandamento - Caso de Polícia", sobre Suzane Richthofen, mentora do assassinado de seus pais.
Está ainda prestando consultoria para o longa "A Menina que Matou os Pais" -baseado nessa última história, com estreia programada para o ano que vem- e colaborou com outras produções policiais, entre elas "Dupla Identidade", série de 2014 da Globo.
Entre os casos que ela vai analisar na nova série estão o de Daniele Toledo, acusada em 2006 de matar a filha de um ano e três meses colocando cocaína na mamadeira dela. Toledo ficou 37 dias presa e, nesse período, foi espancada por 18 detentas. Segundo Casoy, as sequelas incluem perda de visão e de audição. A Justiça reconheceu o erro após perícia mostrar que não havia cocaína na mamadeira.
Também será relatado, no quinto episódio da série, o caso de Atercino Ferreira de Lima, condenado em 2017 a 27 anos de prisão sob a acusação de ter abusado sexualmente de seus dois filhos.
A denúncia contra o vendedor foi feita em 2004, e ele foi obrigado a se afastar das crianças. Já quase adultas, elas afirmaram na Justiça que foram espancadas por uma mulher que vivia com a mãe delas para atestarem na polícia que haviam sido abusadas.
A ideia do programa, conta Casoy, nasceu após um estágio no Innocence Project, projeto americano voltado para a solução de casos similares, em que a Justiça errou.
Casoy diz que entre os principais motivos que levam tribunais ao erro estão o reconhecimento de suspeito, a falsa confissão, a negligência de agentes do governo, a advocacia deficitária e a improbidade de especialistas.
A série procura abarcar todos esses elementos na sequência de casos que apresenta. A criminalista defende que se crie uma cultura de valorização do que, no juridiquês, é conhecido como "dúvida razoável": se a certeza não existir, o réu tem a seu favor a presunção de inocência.
"Se alguém me pergunta se o cara de 'Making a Murderer' é culpado, minha resposta é simples: 'acho que tem dúvida razoável, né?', diz ela, mencionando um outro caso explorado em obra audiovisual. "Making a Murderer" retrata a condenação injusta de Steven Avery por agressão sexual e tentativa de assassinato.
Solto após o reconhecimento do erro, Avery volta a ser condenado por um assassinato de 2005. A série tem duas temporadas que colocam em dúvida essa última condenação e ganhou recentemente a promessa de uma continuação no cinema. O novo desdobramento circunda uma nova confissão. Um detento teria matado a mulher que, diz a Justiça, foi vítima de Avery.
"Em Nome da Justiça" já tem o projeto de uma segunda temporada em andamento. Segundo Casoy, os casos escolhidos têm que ter comprovação processual. "A gente não está coletando histórias contadas por aí e que não se comprovem documentalmente. Há um filtro para, em primeiro lugar, saber se o caso se comprova", diz a criminalista.
"A gente gosta de ouvir todos os lados, quem acusa e quem defende. A gente tenta eleger o caso em que isso é possível", diz. A criminalista conta também que as dificuldades da produção passam pela recusa de entrevistas. "Às vezes o próprio indivíduo [o réu] não consegue falar, ele chora tanto. E às vezes ele não quer mais ser visto", diz.
O que está fora do escopo do programa são os casos que questionam a Justiça em sua estrutura elementar. Esse tema atravessa duas obras que falam sobre a ordem social a que os tribunais se inserem.
Peça "(In)justiça", da Companhia de Teatro Heliópolis Divulgação Peça "(In)justiça", da Companhia de Teatro Heliópolis A imagem que ilustra essa página tem como autor Éder Oliveira, artista que retrata pessoas que são detidas e que, antes mesmo de um julgamento, têm suas fotografias estampadas nas páginas policiais. Casoy, como Oliveira, pede atenção para o justiçamento que pode derivar também da forma como a imprensa expõe réus prematuramente.
E voltará ao cartaz, no Sesc Belenzinho, no próximo dia 15, a peça "(In)Justiça", com a companhia de teatro Heliópolis, em que o público é colocado no centro do julgamento de um jovem que mora em uma favela recordista: ela tem "o maior índice de criminalidade do Estado", diz a peça.
EM NOME DA JUSTIÇA
Quando Todo sábado, às 22h
Onde AXN
Direção Ilana Casoy
(Gustavo Fioratti / FolhaPress SNG)