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Domingo, 4 de maio de 2025

Pedofilia versus pedofobia: o errôneo conceito de pedófilo

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Ivan d'Andrade *, Jornal do Brasil

BELÉM - Num país onde, embora o governo teime em afirmar o contrário, a erudição declina em progressão geométrica e a forma erudita das palavras continua mofenta nos dicionários, eis que uma delas, forçada pelas circunstâncias, emergiu do mofo semântico em que estava mergulhado. Só que, desta feita, revestida dum estranho e infundado sentido, o qual, com insistente teimosia da mídia, principalmente a televisão, vem sendo religiosamente seguido pelos falantes, semanticamente pobres duma riquíssima língua, de cuja variante, por ser sui generis, na sua geografia dialetológica, e pelos seus incontestáveis idiomatismos - por justiça e sem qualquer sombra de dúvida, até porque já vem sendo gestada, aqui no Brasil - ainda no início da próxima década, deverão nascer o que denomino de primícias da nossa língua brasileira. Mas este é outro tema que, como autor desse sério e complexo projeto de pesquisa, oportunamente, abordarei.

Reporto-me, por ora, ao termo pedofilia. Hoje, muito mais que ontem, é pedofilia pra cá, pedofilia pra acolá, - e vejam! - até com CPI da pedofilia... acompanhado do seu derivado, pedófilo.

Para início de conversa, vejamos o seu étimo. Paidós (grego) = criança + - philós + ia (filia) (também gregos) = amizade, gosto, amor, valendo explicitar, portanto, que pedófilo = que ou aquele que gosta das crianças. Libidinosamente, ou seja, com total ausência da libidinagem.

Na seqüência do título desta matéria, vejamos agora, o significado de pedofobia.

Empregando o mesmo termo etimológico (grego), vamos reencontrar paidós = criança+ phobós + ia (fobia) = horror, aversão, antipatia, sendo esta ( - fobia ) o antônimo daquela (- filia ). Enquanto, por conseguinte, pedófilo é aquele que gosta das crianças, libidinosamente enfatizo - pedófobo é aquele que não gosta das crianças.

Quero clarear que expus, aqui - filia - fobia por serem essas duas formas léxicas, estudadas paralelamente, já por se apresentarem antônimas, vez que a língua, como tudo que é científico, se estuda e se avalia pela oposição.

Respeitante à fobia, aliás, o festejado professor francês Leon Michaux, num dos seus magistrais livros "As fobias" - expõe, didaticamente, essas diversas espécies do medo mórbido.

Digressionei até aqui, para esclarecer que o termo pedófilo, empregado isoladamente, em momento histórico algum da nossa lexicologia, expressou, expressa ou expressará, relacionamento do ponto de vista sexual, libidinoso com as crianças.

Em verdade, a conotação libidinosa que pretendem dar a esse termo isoladamente pedófilo é flagrantemente infundada, vez que, como já explicitei e irei fundamentar mais ainda, no desenvolver desta matéria, esse verbete, para conotar crime pede, reclama e exige um complemento: maníaco sexual ou libidinoso, formando as expressões: pedófilo maníaco sexual e/ou pedófilo libidinoso. Um indivíduo, comprovadamente assim diagnosticado, não teremos nenhuma sombra de dúvida de que estamos diante dum sujeito portador duma disfunção que foge aos padrões normais da convivência social. Ou a quem o eminente antropólogo, professor Gilberto Velho, certamente, chamaria desviante.

Agora, o que, em verdade, estão pretendendo fazer é, abruptamente sem nenhum embasamento semântico - imprimir forçosamente um infundado significado libidinoso e malicioso ao termo pedófilo, desvirtuando e até heregizando a semântica brasileira, na infeliz pretensão de lhe causar um pernicioso e pecaminoso efeito, conduzindo os desavisados a empregá-lo , com extremo sentido pejorativo, só porque está na moda e/ou parece eufônico para ouvidos disacúsicos. Assim é que, rotular como a mídia vem insistentemente fazendo, reitero, principalmente a televisão de pedófilo (sem os, acima já devidamente explicados, complementos exigidos pela semântica) aquele que se relaciona sexualmente com crianças, é, no mínimo, pretender, a um só tempo, desavisada e ingenuamente, incriminar eu diria, com extrema generosidade 80% dos brasileiros, incluindo aqui - vejam o absurdo - além dos pais das crianças, excetuando apenas os Herodes da vida e os pedófobos de carteirinha, até mesmo atentem, agora para a blasfêmia até mesmo, repito, o próprio Jesus Cristo, terno e autêntico pedófilo, na correta acepção do termo: Que ou aquele que gosta das crianças . Nunca é demais ratificar: ... gosta com total ausência da libidinagem . Deixem vir a mim as criancinhas, porque o Reino de Deus é para aqueles que se parecem com elas! (Lc.18,15ss) Disse ternamente o Divino Mestre aos seus apóstolos que afastavam aqueles inocentes seres que se queriam aproximar de Jesus.

Bem mesmo oportuno, abro aqui um parêntese para comparar esse desvirtuamento semântico ao que, impiedosamente, já andam fazendo com o verbo capturar em grotesca substituição a captar. Vejam que já andam capturando notícias e imagens fotográficas, ao invés de captá-las. Além de desvirtuamento..., configura despreparo semântico, em ambas situações...

Agora, pelo rumo que vem tomando essa errônea carruagem semântica, com a onda do afoito e equivocado emprego isolado, do termo pedófilo, com essa estranha e forçada roupagem sexual, - ratifico é, em verdade, sublinhar uma gritante irresponsabilidade lingüístico/semântica que, infundadamente, difundiram e infundiram por este Brasil afora!

E não se há de querer forçar aqui, um artificial e vazio argumento de que estão incorporando esse termo ao nosso léxico com tal sentido, até porque esse vocábulo erudito, - pedófilo - só ANALITICAMENTE nos oferece sinonímia. E adianto: se alguém tentar argumentar que encontrou em algum autor de lexicologia aludido termo - ISOLADAMENTE - com essa pejorativa conotação libidinosa que a mídia lhe vem atribuindo, mesmo com todo respeito que eu possa dispensar ao aludido lexicólogo, ratificando o meu sólido embasamento, esclareço e explicito que nada mais é do que uma terminologia, fruto da mais irresponsável invencionice inconsistente. Mesmo porque nas primeiras edições dos nossos consagrados dicionários, os seus respetivos autores denotam e conotam pedófilo como , realmente o é: despido de qualquer sentido libidinoso. Consulte, a propósito, por exemplo, a primeira edição do Dicionário Aurélio, nome este, aliás, já perpetuado como sinônimo de dicionário em merecida gratidão à sua vida dedicada aos estudos lexicólogos. Saudoso mestre Aurélio, quem, na época do lançamento dessa primeira edição do seu dicionário a que me refiro, me deu a honra em conhecê-lo, no núcleo da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.

Pois bem, por conta dessa epidemia do equivocado emprego do termo pedofilia, revestido da pejoração sexual, os autênticos pedófilos , valendo relembrar, aqueles que gostam das crianças, com total ausência do sentido libidinoso, já se começam a afastar desses pequenos seres, negando-lhes afeto, pelo triste receio de serem estupidamente e criminosamente mal interpretados, e, por conta disso, tendem a passar de pedófilos a pedófobos.

Demais - atentem para este fato - se continuarem a seguir esta mesma linha de raciocínio - reitero incriminando o pacífico e terno pedófilo, infligindo-lhe a grosseiramente inventada libidinagem, poderão, então, sem nenhum medo de errar mais, além do que já estão errados, adjetivar, só para efeito de ilustração, cinófilo = aquele que, sexualmente, gosta dos cachorros. Ou, para ser mais preciso, pratica ato sexual com esses animais. Ou, felinófilo = aquele que, sexualmente, se relaciona com gatos, onças, tigres, leões, e outros felinos. Ou, ainda, equinófilo = aquele que, sexualmente, estabelece relação com cavalos, o que, semanticamente, é gritante estupidez e absurdez, já que as autênticas cinofilia, felinofilia e equinofilia, bem como a isolada (palavra) pedofilia, são absolutamente despidas de quaisquer conotações libidinosas. Por seu lado, o atento leitor se deve estar indagando do porquê estou somente empregando para explicar, o termo pedófilo / masculino, parecendo até que só existe homem pedófil(o) libidinos(o). Há, também, e, em grande escala, as pedófilAs libidinosAs, que se escondem, excitando prematuramente, crianças / meninos, levando-os a se tornar, mais tarde, a que costumo chamar presbiófilos libidinosos, os quais, aliás, já se apresentam em expressivo número. Reporto-me a meninões que têm verdadeira obsessão por mulheres bem mais velhas que eles.

Isto posto, é uma premente necessidade que se impõe, REVER o conceito e o emprego ISOLADO do termo pedófilo, com esse LIBIDINOSO significado que vem sendo, equivocadamente usado, para que não continuem incorrendo em estranhíssimo e gritante deslize semântico, o que, de modo grosseiro , só serve para desvirtuar a verdadeira significação de pedofilia e esse seu derivado, pedófilo relembro - hoje , tão doce na boca dos, semanticamente, desavisados!

* Ivan d'Andrade é sexólogo