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Não queremos a chacina da Copa do Mundo

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Roberta Duboc Pedrinha, Jornal do Brasil

RIO - Faz dois anos e meio que ocorreu a megaoperação policial no Complexo do Alemão, conhecida como Chacina do Pan. Foi em 27 de junho de 2007, que se firmou uma parceria entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro (através da Polícia Civil e Militar) e o Governo Federal (através da Força Nacional de Segurança). O efetivo policial contou com um total de 1.350 homens e a intervenção culminou, em um único dia, com 19 pessoas mortas e 62 pessoas feridas por arma de fogo.

Me lembro bem disso, especialmente, quando de minha segunda visita após a operação, ao Complexo do Alemão, na condição de coordenadora de Sistema Penitenciário e Segurança Pública da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em 30 de junho de 2007, particularmente impactante para toda a nossa equipe. Transcorreu durante todo um longo dia, em que os casebres na rua principal e nas ruelas estreitas estavam atassalhados por projéteis. Os rastros de sangue enodoavam a paisagem. A angústia e o desespero ainda estavam estampados nos olhos dos moradores. Ouvimos dezenas de emocionados depoimentos de vítimas, familiares de vítimas e testemunhas, tomados a termo na sede da Associação dos Moradores, que narravam extorsões, roubos, furtos, ameaças, constrangimentos ilegais, lesões corporais e homicídios. Estivemos com dezenas de vítimas ainda feridas, algumas sem nenhuma hospitalização.

Alcançamos o ponto das mais graves denúncias, no topo do morro, a região da Grota. Refizemos os lugares denunciados pela população como das execuções sumárias, perpetradas pela polícia, ainda havia resquício de sangue e de massa cefálica em certos lugares. Concatenamos os relatos dos moradores sobre as mortes na operação com a apreciação das fotografias extra-oficiais, que nos foram apresentadas. Presenciamos jovens armados, em motocicletas ou a pé, sem camisa, espraiados pelo morro, atentos a cada movimento nosso. Não notamos sequer um único policial presente. Tinham apenas, nas suas cercanias, nas entradas de acesso, à subida do morro, alguns carros e integrantes da Força Nacional, com pesado armamento de guerra, estáticos, à espreita. Tudo apontava a ineficácia da operação de combate à criminalidade . Presenciamos lojas fechadas, crianças sem estudar, trabalhadores faltando ao emprego, mulheres chorando. Saímos à noite da Favela do Complexo do Alemão, descemos o morro no escuro, em silêncio e sem olhar para traz.

O desfecho da megaoperação policial no Complexo do Alemão não alcançou sequer a Justiça Criminal. A notícia-crime, com todas as narrativas e depoimentos, enviada pela CDH da OAB ao Ministério Público, não se transformou em denúncia. Não somente os moradores do Complexo do Alemão devem estar atentos, os mais do que 65.000 apontados pelo IBGE em 2000, devem se aproximar dos 150.000 habitantes; porém, verdadeiramente, toda a sociedade brasileira. Cabe a todos os brasileiros manterem-se em permanente indignação, e estarem atentos para o que está por vir. Está na hora dos nossos companheiros favelados ganharem voz, soltarem seu grito, para ecoar por toda a sociedade, antes que outra chacina ocorra, e para que não se tenha uma profecia anunciada da Chacina da Copa .

Professora de direito da Universidade Candido Mendes