Editorial, Jornal do Brasil
RIO - Com a saída do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde ficou hospedado por quatro longos meses, é hora de se fazer um balanço e tirar as lições deste episódio que ficará marcado na história da diplomacia brasileira.
O abrigo concedido a Zelaya em 21 de setembro quando o ex-presidente retornou ao país numa tentativa de retomar o poder perdido no golpe de Estado que o derrubara em 28 de junho criou uma situação das mais difíceis para o governo brasileiro.
Até hoje, nunca ficou muito claro se houve uma prévia e deliberada intenção do Brasil em ajudar Zelaya ou se ele simplesmente se materializou , de mala e cuia, em frente à embaixada, como afirmou um diplomata do Itamaraty. Pouco importa. O fato é que a decisão de abrigá-lo colocaria o Brasil no epicentro de uma crise política de um país pouco importante e de consequências imprevisíveis.
Esta última sentença contém três elementos que merecem atenção. Quanto à decisão, caso confirmada a versão de materialização de Zelaya, não haveria praticamente outra opção aceitável senão a que foi tomada. O presidente deposto tinha o apoio de quase toda a comunidade internacional, que pressionava o golpista Roberto Micheletti a lhe devolver o poder. Negar-lhe guarida seria um ato de covardia, ainda mais para um país como o Brasil, que tem tentado assumir um papel mais relevante no concerto das nações.
Sobre Honduras ser um país inexpressivo, isso não muda a questão de princípio, fundamental, que o episódio implicava. O que estava em jogo ali era o apoio a um governo legitimamente eleito e à democracia no continente latino-americano, cuja tradição de golpes e quarteladas é tão conhecida. É possível argumentar que, justamente por Honduras ser uma diminuta nação, a presença do Brasil não significaria maiores riscos. Nem o reflexo de uma megalomania da nossa diplomacia. Não foi este o caso.
O problema é que o Brasil foi praticamente empurrado para o olho de um furacão, tendo sua embaixada ocupada por um presidente deposto, sua família e seus apoiadores mais próximos. À parte o comportamento indevido de Zelaya nos primeiros dias que usou a representação brasileira como uma tribuna, insuflando os seguidores que estavam do lado de fora , a própria situação, inusitada, delicada, pôs o Brasil diante de desfechos imprevisíveis. Pressionado por todos os lados, Micheletti, nas primeiras semanas, mostrou a mão pesada das ditaduras, cercou a embaixada, fechou rádio e TV de oposição, impôs toques de recolher, revogou as liberdades constitucionais e mandou suas tropas para as ruas. A truculência revelava desespero, e o presidente golpista chegou até a cogitar a renúncia.
Mas Micheletti resistiu. E contou com a ajuda dos Estados Unidos, que cruzaram os braços e preferiram levar em banho-maria a solução do impasse, esperando a próxima eleição, vencida por Porfirio Lobo. A volta ao poder de Zelaya, para os americanos, seria a vitória indireta do desafeto Hugo Chávez, um dos incentivadores do presidente deposto. Ao fim e ao cabo, não houve ganhadores, nem perdedores. Apenas a sensação de uma longa novela, de início eletrizante, depois meio monótono, e desfecho agridoce.