Patrícia Alves Dias *, Jornal do Brasil
RIO - Ao longo dos últimos oito anos, a Empresa Municipal de Multimeios MultiRio, da Secretaria Municipal de Educação da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, desenvolveu, a partir de seu foco principal na infância e juventude, uma série de projetos especiais realizados em desenhos animados. Suas séries, com reconhecimento nacional e internacional, produziram ações e reflexões no campo da linguagem da animação numa perspectiva dialógica com seu público infantil e juvenil tornando-o criador e realizador de mídia dentro da escola. Entre eles, vale destacar o Carta Animada pela Paz, eleito pela Unesco como Melhor Prática de Mídia nas Escolas da América Latina em 2005.
A série realizou oito curtas de animação, três documentários e oficinas de roteiro, story board, animação e sonorização que envolveram 161 estudantes com dificuldades de aprendizado, com idade entre 6 e 16 anos, num universo de 19 escolas municipais do Rio de Janeiro, localizadas em 12 comunidades de áreas de mais baixo IDH da Cidade do Rio de Janeiro.
Bakhtin, um dos maiores pensadores em comunicação, dizia que quanto mais o homem compreende que é retificado, mais perto está de compreender também, e de realizar, a sua verdadeira liberdade . O que vocês querem falar para o mundo? é a pergunta chave para iniciar o diálogo com as crianças. Violência familiar, trabalho infantil, conflito armado, falta de assistência básica à saúde e à educação, entre outras profanações ao mundo da infância, são alguns dos temas eleitos pelos (as) alunos (as) e transcritos em desenho animado com linguagem de documentários. No entanto, os desfechos das histórias percorrem os caminhos mais lúdicos e, ao mesmo tempo, suas respostas são cheias de utopias, que somente as crianças poderiam trilhar. É preciso continuar enriquecendo a humanidade com novos mitos e utopias. A criança sabe... (Solange Jobim)
Ele (o menino, personagem, da história) saiu da escola, fazendo malabarismo no sinal. A mãe dele foi fazer feira, viu ele no sinal. Aí ela tomou um susto ai pegou ele pela orelha, levou ele para casa, bateu nele com uma colher de pau, ele fugiu... ai ele viu um moço jogando comida fora. Ai ele, falou: 'eh ... porque tu ta jogando comida fora?' Ai. ele: 'Não te interessa teu lixo'. Ai ele falou: 'lixo é você, eu sou gente'. Ai depois ele ficou dormindo na rua. Amanheceu... ai a mãe dele levou ele para casa, eles foram para casa e ficaram. (Trecho do depoimento de Kleyton dos Santos, 11 anos, um dos autores do desenho animado Paz em Jacarezinho, gravado durante a produção do documentário Diário de Bordo, da série Carta Animada pela Paz.)
A cena final do desenho Paz em Jacarezinho é o retorno à escola. O herói percorre mundos e perigos, enfrenta limites e desafios, supera a provação e volta transformado para o lugar seguro: a escola, a família.
E é na escola, muitas vezes, o único refúgio de uma criança em situação de risco, que criamos um Reino Possível para a Infância , onde o mundo pode ser revelador e revelado (pode ser belo e bom), num diálogo permanente entre as artes, a educação e a mídia.
*jornalista e coordenadora da Multirio