Reinaldo Paes Barreto, Jornal do Brasil
RIO - E não só da sua presença, serena, cordial, no mais das vezes bem-humorada mas, também, do professor estilo grego: ensinando por metáforas. E por exemplos. Exemplo: nos primeiros meses de 1983, eu trabalhava na Souza Cruz, na gerência da área institucional e o meu então chefe e amigo era o Kenneth Light (hoje um dos maiores especialistas nas circunstâncias da chegada de D. João VI ao Brasil). Uma manhã ele me chamou e disse: A BAT (British American Tobacco, nossa matriz) decidiu que os maços de cigarros no Brasil também deverão trazer nos rótulos a advertência de que fumar pode fazer mal à saúde .
(A hipotética perda de fumantes era compensada pelo freio nas ações indenizatórias contra os fabricantes de raro prazer , ao sucesso , etc).
E completou: você conhece algum parlamentar amigo, capaz de propor essa lei? Sim, respondi imediatamente e, na sequência, pedi ligação para Brasília para falar com o Doutor Tancredo (deixaria o senado logo depois para se candidatar ao governo de Minas) , a quem conhecia por intermédio da minha longa e querida amizade com o Tancredo Augusto, seu filho, meu colega de Mello e Souza desde 1960 e em cujo apartamento na Avenida Atlântica muitas vezes me encontrei com o futuro presidente.
Ele prontamente marcou data para dali a dois dias, com almoço no Piantella. Lá nos encontramos. Papo vai, papo vem (era um conversador inesgotável) fiz-lhe o pedido. Ele nem pestanejou: "sem problemas! Acho até muito bom para conscientizar o fumante. Me mande um fax (old good times) com o texto sugerido que eu vou submeter ao meu assessor jurídico e apresento como projeto de lei".
Dito e feito, mais tarde.
Mas, antes de terminar o cafezinho, pôs a mão no meu braço e disse: mas Reinaldo, isso tem um preço .
Gelei, claro. A Souza Cruz era a empresa mais certinha do planeta e qualquer mensalinho daria na demissão de toda a diretoria e mais as secretárias!
Só que o Doutor Tancredo era um daqueles varões de Plutarco com um DNA de probidade e amor pela sua gente a quem Brasília nunca contaminou. Fez um silêncio (só de sacanagem) e rematou: vou querer que a Souza Cruz construa o Museu de Arte Sacra de São João Del Rey .
Alvíssaras! Dali mesmo liguei para o Light, que aprovou com entusiasmo a iniciativa, e dias depois estava sendo criado um grupo executivo, comandado pelo arquiteto e grande figura do Alvino Costa Filho, que praticamente se mudou para o eixo São João-Tiradentes para dar início à seleção e ordenamento do maior acervo de arte sacra mineira e brasileira, já reunida em Minas.
O Museu de Arte Sacra está lá, instalado no prédio da antiga cadeia de São João del Rei, que neste lugar funcionou por 113 anos. Em 1983, como disse, o imóvel, que então pertencia a particulares, foi comprado pela Souza Cruz que patrocinou a restauração e a organização do MAS. A inauguração foi em 1984, com Doutor Tancredo já governador, e é um órgão importante de divulgação da cultura religiosa local. O valioso patrimônio é composto por cerca de 200 peças dos séculos XVII, XVIII e XIX que pertenceram às irmandades da cidade e está organizado nas seguintes salas: Sala de Exposição Temporária Sala da Imaginária Sala da Prataria Sala dos Paramentos.
Vale a visita: vale a lição.
Reinaldo Paes Barreto é diretor Institucional do Jornal do Brasil.