Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Jornal do Brasil
RIO - Em 1978, em consequência de um artigo na minha coluna semanal Astronomia e Astronáutica, no Jornal do Brasil, sobre o mais antigo instrumento astronômico existente no Brasil, fui procurado pela Dra. Anita McConnell, do The Science Museum, a quem convidei para visitar o Observatório Nacional, onde ela pronunciou uma conferência sobre a importância histórica dos instrumentos científicos. Seu entusiasmo pelo nosso acervo incentivou meu interesse em tornar realidade a criação de um museu.
Desde logo compreendi, pelas dimensões do prédio, que, apesar da ideia inicial de criar um museu de ciências, ali só poderíamos instalar um Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e um Núcleo de História da Ciência (NHC). Uma importante decisão política foi enfatizar outros campos afins, como a geodésia, meteorologia, determinação e difusão da hora exata, topografia etc., que, associados à astronomia, sempre estiveram ligados ao desenvolvimento social, científico e tecnológico da civilização, em particular no Brasil, onde o Observatório teve um importante papel histórico-social.
Se considerarmos que o Mast surgiu em dezembro de 1982 com a exposição Centenário da passagem de Vênus, o nosso seria o primeiro no mundo. Com efeito, em 1983, o governo australiano transformou o Observatório de Sidney em museu de astronomia. Na verdade, a origem do Mast se identifica com a realização, a partir de 1982, do Projeto Memória da Astronomia e Ciências Afins no Brasil. Como resultado concreto da atuação do projeto, a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional determinou, em 1984, o tombamento dos prédios e do acervo científico do Observatório Nacional e sugeriu a criação do museu.
Em 8 de março de 1985, em decorrência do estímulo de expressivas personalidades da comunidade intelectual e científica brasileira e dos resultados concretos do Projeto Memória, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast).
Instalado no campus do antigo Observatório Nacional, o Mast reúne um acervo que inclui instrumentos e equipamentos utilizados em astronomia, física, astrofísica, geofísica, metrologia e meteorologia. Reúne também documentação iconográfica e documental. A ação do Mast se concretiza através da realização de pesquisas em história das ciências, exposições, atendimento orientado a pesquisadores, estudantes, assim como no estabelecimento de cursos, palestras e seminários, atendimento em biblioteca e arquivos especializados e promoção de eventos educativos e culturais, em coerência com os objetivos de: recuperar, preservar e divulgar acervos que constituem a memória científica brasileira, reunindo e preservando a documentação e acervo público e, em especial os arquivos particulares dos cientistas brasileiros; promover e desenvolver pesquisas e atividades direcionadas para a produção de conhecimento na área de história das ciências, e estudos museológicos e pedagógicos para apoio à recuperação e divulgação das coleções do acervo da cultura científica nacional; difundir e popularizar a ciência, atuando como centro nacional de divulgação científica, com o propósito de despertar vocações para a pesquisa, estimular o pensamento crítico e favorecer a compreensão do papel da ciência e da tecnologia na vida social e cultural do país. O Mast mantém intercâmbio com instituições públicas e privadas, como universidades e centros de ensino científico, nacionais e internacionais. Seu quadro é formado por equipe multidisciplinar astrônomos, físicos, museólogos, bibliotecários, documentaristas, historiadores, pesquisadores, antropólogos, matemáticos e técnicos.
No museu, o visitante poderá observar equipamentos e instrumentos que lembram o quanto o homem evoluiu por meio do conhecimento científico e tecnológico. Lá está o previsor de marés, uma espécie de computador analógico inventado por Sir William Thomson, Lord Kelvin (1824-1907), em 1876, capaz de informar sobre as horas das marés.
Muitos desses instrumentos, incluindo o círculo meridiano portátil, teodolitos, sextantes, cronômetros etc., foram utilizados pelas missões que, em 1882, determinaram a paralaxe solar, durante a passagem de Vênus pelo disco do Sol, e mais tarde, em 1893, o quadrilátero onde, quase 70 anos depois, seria construída Brasília. Um destaque especial é o mais antigo instrumento astronômico utilizado no Brasil, em 1781, pelos astrônomos portugueses Sanches Dorta e Oliveira Barbosa o quarto-de-círculo, construído dois anos antes na Inglaterra. Foi o primeiro instrumento do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, fundado em 1780.
Mas no bosque ainda há mais. Lá estão, em seus pavilhões inteiramente restaurados pelo museu, o círculo meridiano Gauthier, as lunetas meridianas Bamberg e Ascânia, duas peças usadas para determinar a longitude do Rio de Janeiro, e, portanto, a hora legal. Isto quando a rotação da Terra era o padrão astronômico de tempo, depois substituído pelo padrão físico, o relógio de césio. Ao lado, se encontra a luneta zenital Heyde usada para realizar o estudo da variação da latitude do Rio de Janeiro e, em consequência, o movimento do polo. Além deste acervo, exposto de maneira permanente, o Museu de Astronomia e Ciências Afins promove outras atividades em exposições temporárias: Panorama da astronomia, em colaboração com o Palais de la Découverte; o Uso pacífico do espaço, em colaboração com a ONU; O Cometa Halley, quando foram recuperadas as músicas populares sob o tema; Cartas celestes de Almeida Prado, uma apresentação de música contemporânea nos jardins do museu à noite; teatro de marionete para as crianças à tarde nos jardins do lado das cúpulas, para citar apenas alguns temas que já mereceram exposições especiais. Além destas atividades na sede, foram sucessos várias atividades tais como o Museu vai à praia, quando, além de exposições relativas a fenômenos como as marés, a atividade solar etc., foi apresentada uma peça teatral sobre a história da astronomia, baseada no livro Os sonâmbulos de Arthur Koestler.
Nesses últimos 25 anos, a contribuição do Museu de Astronomia é incalculável para a perpetuação da memória científica no Brasil.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, além de astrônomo, é autor de mais de 85 livros dentre eles 'O Livro de Ouro do Universo'.