Lavar a avenida com alfazema e formar um tapete branco de paz são os objetivos do bloco Filhos de Gandhy durante suas passagens nos circuitos de Carnaval em Salvador, na Bahia. Predominantemente formado por homens, o bloco criado em 1949 atrai muitas pessoas para vê-los passar, principalmente mulheres.
Bonitos, com roupas imponentes, chapéus brancos e cheios de colares no pescoço, os Filhos de Gandhy não deixam de paquerar e serem paquerados. Porém, eles fazem questão de dizer que este não é o primordial.
"Tem muita gente que se aproveita disso para sair no bloco e muita menina que fica na corda esperando isso. Mas é normal se você olhar uma menina e você gostar dela e ela de você, você vai lá dá um colar e ganha um beijo. Mas não é no nível que as pessoas comentam, não. É se você estiver com vontade, só isso", disse ao Terra Luiz Antônio Lacerda, de 63 anos, que desfila há 10 no bloco.
A troca do colar por um beijo acontece quando uma menina deixa o rapaz colocar o adorno no pescoço dela. Ele continua no pescoço dele e este só vai definitivamente para a menina depois do beijo. "Eu dou o colar para muita gente, não por causa do beijo. Mas se ela quiser me beijar, melhor", entregou Marcos Oliveira, de 31 anos e no bloco há 7.
Marcos calcula que entrega cerca de dez colares em cada desfile. "Gosto de dar para as crianças e para as pessoas que pedem. O objetivo é distribuir a paz. Mas os meninos aqui beijam sim, acontece bastante", completou.
Conforme o bloco vai passando, muitas mulheres vão se aproximando para ver a apresentação que, além de bonita, é muito significativa para quem é de religiões afro-brasileiras como o candomblé. Neste momento, a paquera fica mais freqüente, afinal é Carnaval.
O Terra acompanhou a passagem dos Filhos de Gandhy e, em cerca de dez minutos, quatro beijos aconteceram na corda com a troca de colares - e alguns "foras" também -, em um espaço de 1 km.
Ao fim da passagem do bloco, os integrantes se misturam ao público na avenida e formam filas ao lado dos cordões para tentar "laçar" as meninas que estão nos outros blocos. Fim dos "trabalhos", é o início da diversão.
Ritual
A referência afro é bastante evidente no desfile. Tambores, músicas em homenagem a entidades espirituais como Oxum, Ogum e Iemanjá e dança fazem parte do espetáculo. Antes da saída, os integrantes pedem permissão em uma oração aos deuses para seguir.
A alfazema que espirram no ar tem o intuito de "limpar" o ambiente das energias negativas e trazer bons fluídos à Bahia. É um bloco calmo, em que os integrantes vão entoando os cantos e dançando tranquilamente. A vista de cima dá a ideia de um tapete branco. "Não é obrigatório ser de alguma religião, mas por ser afro a maioria aqui é do candomblé. O que a gente quer mesmo é levar a paz", disse Luiz Antônio.
Nova Orleans
A troca de colar não é exclusividade de Salvador. Em Nova Orleans, nos Estados Unidos, os adornos servem para ver os seios das meninas. Eles jogam as contas em troca da mulher levantar a blusa.
O Mardi Gras, no século 19, jogava os colares de contas de plástico para os foliões como saudação. Na década de 70, porém, a tradição mudou quando universitárias bêbadas passaram a mostrar os seios para conquistá-los.