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Terça, 6 de maio de 2025

Ex-presidente da UNE, Jean Marc fala sobre agroecologia

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Agência JB

DÉBORA MOTTA - Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1969, no auge dos anos de chumbo, e fundador da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Jean Marc von deir Weid fala ao JB Online sobre suas memórias mais marcantes como líder no movimento estudantil e traça um panorama da questão agrícola no país, analisando o papel dos biocombustíveis e dos transgênicos.

Jean Marc era militante da Ação Popular (AP) e foi preso em setembro de 1969, poucos dias antes do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick pelo Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), e torturado no Centro de Informações da Marinha (Cenimar), na Ilha das Flores. O estudante, que trancou a faculdade de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no quinto período para lutar contra a ditadura, só saiu da prisão em 1971, por ter seu nome entre os 70 presos políticos soltos em troca da liberdade do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.

O diplomata foi seqüestrado numa ação que teve a participação da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Jean foi exilado para o Chile, onde organizou uma rede de apoio que retirou desse país cerca de 100 brasileiros perseguidos pelo Governo, quando Pinochet tomou o poder. Depois, viveu o exílio na Argentina e na França e só voltou ao Brasil com a anistia, em 1974. À frente da AS-PTA, Jean se dedica hoje à promoção do desenvolvimento rural sustentável com base no fortalecimento da agricultura familiar e na agroecologia.

JB Online: Quais as lembranças mais marcantes da sua atuação no movimento estudantil durante a ditadura militar?

Jean Marc: Um dos momentos que mais me marcaram foi a reconstrução do Congresso da UNE depois da queda do Congresso de Ibiúna (SP), em outubro de 1968 [quando mais de 800 estudantes foram presos por soldados da Força Pública e policiais do DOPS - Departamento de Ordem Política e Social por participarem do encontro clandestino]. A gente refez o congresso no Rio com poucos delegados, para não ser muito grande e não chamar a atenção da repressão.

Em princípio, o congresso estava sendo organizado pela União Metropolitana da UNE, dirigida pela corrente que apoiava a chapa do José Dirceu contra mim para eleição do presidente da UNE [que sucederia Luís Travassos]. Na véspera do congresso se reunir, em março de 1969, o presidente da Metropolitana, o Carlos Alberto Muniz, que hoje está no PMDB, disse para mim que não tínhamos aparelho [local adequado para fazer o congresso] e que devíamos nos encontrar com os delegados que vinham de outros estados, em pontos de chegada deles na cidade que só a gente sabia, para dizer que o congresso não ia mais se realizar devido à clandestinidade. Isso para mim seria a mesma coisa que matar a UNE. Daí eu blefei. Disse que eu tinha um local, mesmo sem ter.

Tive que montar uma infra-estrutura de transporte. Mobilizamos mais de 15 carros no campus da Praia Vermelha da UFRJ. Consegui o aparelho de um dia para o outro através de uma colega de faculdade que tinha um tio que nos emprestou seu sítio em Jacarepaguá, na época lugar bem isolado. Ele era um empresário que tinha acabado de ganhar a concorrência para a construção da Ponte Rio-Niterói. Chegamos lá à noite e ele estava comemorando. Pensou que eu estava lá para pedir dinheiro para a UNE e ficou receoso com meu pedido, mas acabou entregando a chave do sítio. Levamos cerca de 100 pessoas para lá. Ninguém nunca falou sobre esse local.

Nesse congresso, o José Dirceu estava preso [foi libertado depois, em troca do embaixador americano seqüestrado pelo MR-8], mas seus representantes perderam. Conseguimos apoio significativo do PCBR e do próprio partidão. Eles estavam assustados com a tendência guerrilheira do time do Dirceu e isso me permitiu virar presidente da UNE. Ganhamos por sete votos de diferença, no total de quase 800 votos. As eleições eram feitas de forma indireta, pelos delegados estudantis. Eleições diretas na UNE só depois, em 1979.

A queda de Ibiúna foi responsabilidade de Dirceu. Foi uma ilusão reunir cerca de mil representantes e achar que poderia esconder esse congresso. Embora não estivesse em vigor ainda o Ato Institucional nº 5 (AI-5), já estava um clima muito ruim. Fui preso em Ibiúna, mas fui solto dias depois. De Ibiúna fomos levados para o presídio da Tiradentes, em São Paulo. Como teve muita repercussão de mídia, o governador de SP, Abreu Sodré, mandou que a polícia se livrasse o mais rápido possível de nós.

Minha foto estava em cima da mesa do delegado e eu estava sendo procurado pelo DOPS na cadeia. Entraram até numa cela com a minha foto para tentarem me identificar, mas a pressão de 20 horas seguidas de depoimentos fez com que os policiais não percebessem minha presença. Disse que perdi a documentação e consegui escapar fugindo junto com a delegação de estudantes do Paraná. Andava disfarçado, já estava condenado num processo da auditoria militar no Rio a dois anos de prisão. Arrumei um terno emprestado. A União dos Estudantes do Paraná me comprou uma passagem de avião para o Rio e passei despercebido no aeroporto porque me juntei no avião à delegação do Botafogo. Escapei porque tive muita sorte e iniciativa.

JB Online: Quando você olha o panorama da política brasileira hoje você sente que valeu a pena o seu envolvimento e o da sua geração?

Jean Marc: Valeu a pena, com certeza, porque a luta dos estudantes e de outras forças contribuiu para que a ditadura fosse superada. Passamos por períodos de cadeia e de exílio e fomos parte da redemocratização. Houve erros, mas não tenho nenhum arrependimento. Hoje, trabalho com a AS-PTA, Organização Não Governamental (ONG) que fundei em 1983, voltada à agricultura ecológica. Damos assessoria a comunidades rurais de baixa renda e assentamentos.

A AS-PTA tem dois projetos regionais de porte maior, na região que corresponde ao Contestado dos anos 20, no Paraná, e no Planalto da Borborema, na Paraíba. Fazemos testes em cerca de 22 municípios de demonstração de práticas de agroecologia e trabalho direto com as associações dos produtores e pastorais. Comecei a me interessar por agroecologia quando esbarrei nas dificuldades da agronomia classica para a agricultura familiar.

Ajudamos a montar a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), rede que envolve organizações com o mesmo ideal. Nós incentivamos a sustentabilidade e a agricultura familiar, com menores custos, riscos, e durabilidade do projeto no tempo. O agronegócio pode até conseguir ter alta produtividade, como ocorre no Centro-Oeste. Mas a agroecologia permite custos baixos e duráveis, melhorando as condições no campo.

Temos colaboração com o Governo Lula, mas já tivemos cooperação do Sarney e do Collor. Nossa proposta é submetida a diferentes governos, embora o grosso do nosso orçamento venha de verbas internacionais. E sou a favor da CPI das ONGs, podem investigar a minha à vontade.

JB Online: Como você avalia as conseqüências futuras dos biocombustíveis para a agricultura familiar e a questão dos transgênicos, já que você coordenou a Campanha por um Brasil livre de transgênicos ?

Jean Marc: Em primeiro lugar, acredito que os biocombustíveis são mais um problema do que uma solução. O álcool vai significar o aumento das grandes propriedades e tem balanço energético limitado. A terra é produzida com fatores de contaminação ambiental, com agrotóxicos e ele também contribui para o efeitos estufa. Já no caso do biodiesel, acredito que estamos trabalhando com certa ilusão de que vamos poder substituir de forma significativa o óleo diesel com esse tipo de coisa. Essas metas acabam cobrando uma quantidade muito alta de óleo e as possibilidades de oferta dos diferentes tipos beneficia o óleo de soja, porque ele tem abundância de oferta.

O óleo de mamona, por exemplo, é caro e tem que ter subsídio. E eu não acredito nisso, porque ela precisa ser permanentemente subsiada para sobreviver. E o quanto isso vai representar em subsídio de área de cultura alimentar, esse movimento de demanda de agroenergia ou de bioenergia pode significar aumento de custo de vida, o que é grave para as camadas menos favorecidas.

A agricultura familiar até poderia ser favorecida pelos biocombustíveis, mas não da forma que está sendo feita. O interessante seria, ao invés de tentar produzir biodiesel, fazer uso de óleo vegetal diretamente nos motores para atender a demandas locais. Por exemplo, no interior da Paraíba, que tem mamona, se fizermos uma pequena e média indústria local de extração de mamona para uso em motores, sem a etapa de ter que passar para biodiesel, seria vantajoso a nível regional. Só teríamos que fazer uma carburação ajustada àquele tipo de óleo. Mas pensando em mercado nacional, você tem que ter um produto uniforme, o biodiesel.

No caso dos transgênicos, a Lei de Biossegurança (lei 11.105) aprovada pelo presidente Lula teve uma série de problemas, mas tem uma vantagem: parte do principio de que eles são um risco. O problema é que você tem uma lei que tem como pré-requisito da sua existência a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que tem convicção de que não há perigo. A comissão não tem nenhuma normativa para dizer como vão avaliar os riscos e só a minoria quer discutir o assunto.

Como ninguém responde às questões, a gente está ganhando na Justiça em relação ao milho. [No dia 20 de setembro a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) liberou o plantio comercial de um terceiro tipo de milho geneticamente modificado no país, a variedade Bt11, da multinacional Syngenta]. A Embrapa participa de consórcio ambiental de avaliação de riscos para o algodão, mas ninguém se dedica ao milho.

As pessoas que formam a CTNBio não são especialistas em biossegurança, são especialistas em transgênicos. São todos envolvidos em pesquisas a favor do transgênicos e têm interesse direto na aprovação desse plantio. Lula embarcou no discurso desse povo dos transgênicos. Cada vez que tem alguma crítica, o Governo fica furioso. Mas a comissão não funciona. É essa aberração, um lobby.