Um amigo, mais jovem, fez-me a pergunta um pouco embaraçosa: por que Juscelino conseguiu realizar tudo o que realizou, em cinco anos de governo e, depois dele, as coisas não marcharam como deviam? Ao fazer a pergunta, dava exemplos. Jango não conseguiu realizar as reformas que pretendia. Os governos militares, que dispunham de todos os instrumentos arbitrários, não conseguiram eliminar a corrupção da vida pública, nem conter a criminalidade comum no país. Além disso, investiram muito dinheiro inutilmente, sem planejamento adequado, como na abertura da Transamazônica, que não trouxe os proveitos esperados.
Todos os que puderam acompanhar, como observadores atentos, o desempenho dos governantes e o desenvolvimento do Brasil nas últimas seis décadas, sem desprezar as décadas anteriores, podem arriscar algumas idéias sobre o assunto
Podemos estar enganados, mas só houve, até agora, dois presidentes que tiveram, na mente e no coração, um projeto nacional coerente para o Brasil e o executaram, dentro das condições de seu tempo e dos recursos de que dispuseram. Foram eles Getúlio e Juscelino. Eles, ao pensar o Brasil em primeiro lugar, entenderam que só um Estado forte e decidido é capaz de atuar com eficiência, sem desvios diversionistas, no interesse da gente nacional.
É certo que, como dizem os chineses, só o tempo pode filtrar os fatos, deles escoimar as paixões, os ressentimentos e as idiossincrasias. Passados 58 anos da morte de Vargas, e 36 anos da morte de Juscelino, já é possível examinar a personalidade e a conduta política de ambos.
Há o lugar comum na opinião dos que se movem no mundo político, de que o grande estadista é aquele que reúne o carisma da liderança à capacidade de planejar e administrar as ações do Estado. Nisso, Getúlio, com sua austera modéstia e Juscelino, com seu temperamento efusivo, souberam sensibilizar o povo, e administrar com eficiência.
Vargas não era intelectual nem tecnocrata, mas sim líder político ilustrado, que tivera a ajuda das circunstâncias. Ainda adolescente, estudou em Minas, no tempo em que Ouro Preto era uma espécie de Oxford brasileira, com sua Escola de Minas e excepcionais colégios secundários. No Sul, as relações políticas familiares o levaram a participar dos confrontos partidários, e a eleger-se, ainda muito moço, deputado estadual. Em 1923, com a morte do deputado federal Rafael Cabeda, candidatou-se a preencher a vaga, em eleição especial — de acordo com as regras de então.
Ao eleger-se, não se destacou no Parlamento. Como anotou Affonso Arinos, na biografia de seu pai, Afrânio de Melo Franco, o parlamento não era o espaço para a expressão política de um homem como Vargas, que, mesmo reeleito, não teve ali atuação destacada. Seu destino era o Poder Executivo, que exerceria como nenhum outro chefe de Estado Republicano, antes, nem depois dele.
Getúlio, Juscelino e Tancredo foram homens que viveram o sentimento de nação acima de qualquer outro. Ainda que devotados pais de família, podemos concluir que a nação estava, na graduação de seus cuidados, em primeiro lugar. Isso os levava ao entendimento de que o reconhecimento de seus contemporâneos, mais do que o de seus pósteros, estava no cumprimento estrito de seu contrato com o povo: manter a nação coesa, na defesa da soberania e zelar pelo controle de seus recursos naturais, para o desenvolvimento e o bem estar da gente brasileira.
Os grandes estadistas “pensam” o seu país, e essa imagem antecipada do que podem ou pretendem fazer, sendo teleológica, é sempre utópica. Eles, no fundo de sua razão, sabem que não conseguirão fazer tudo o que desejam, mas que deverão agir como se lhes fosse possível edificar o impossível.
Na leitura dialética da lição de Clausewitz, a de que a guerra é a continuação da política (Tancredo a corrigia, ao afirmar que a guerra é o insucesso da ação política) os movimentos políticos têm muito da estratégia e da tática militar. Filho de militar que participara da Guerra do Paraguai e, ele mesmo, soldado quando jovem, Getúlio se movia na política como quem se move, nas refregas gauchescas, entre as coxilhas e os banhados.
Ele sonhava, mas os seus sonhos não escapavam da razão, positivista em sua origem, ainda que atenuada pelo ceticismo secular que aprendera com os mineiros e pela desconfiança de que Deus se metia nos assuntos humanos. Vargas e Juscelino, ainda que centralizadores em suas decisões cardeais, sabiam delegar, sobretudo nas questões que requeriam a intervenção dos especialistas. Mas sempre reservavam, para a razão de Estado, como a concebiam, o arbítrio final. Eles sabiam sonhar e mandar.
(continua amanhã)