Há muito a nação não se debruçava sobre uma causa! Virou legítima metáfora obsedante, comparável aos grandes pleitos eleitorais, jogos de futebol e festas populares. A esquerda que há pouco denunciava alianças espúrias abusa da sopa que condenou. A direita adotou o discurso da ex-esquerda, versão piorada, como se isso fosse possível. Se o leitor pensou em teatro, está este mais para a dramaturgia do absurdo. Por isso mesmo, a difícil missão é explicar para as pessoas qual é a verdadeira natureza do político. Ela não existe, talvez nem eles mesmos saibam, ou de tão multifacetada precisamos abdicar e nos render à duvidosa generalização do senso comum de que ”político não presta”. Essa é, aliás, a raiz psicogênica do mensalão. Quando lá atrás Lula fez o diagnóstico dos “picaretas” que habitavam a Câmara Federal, ele já anteviu a terapêutica: compre-os!
Não saberia dizer muito sobre os veredictos proferidos, mas a hermenêutica afirma que podemos aprender muito com os processos e a sua linguagem. As pessoas têm preferido a alienação ao engajamento, e dá para entender perfeitamente por quê. O homo politicus tem sido uma espécie de anti-herói. Estamos todos fartos deles, e o fenômeno sociológico é mundial.
É nessa atmosfera que idealizamos quem será aquele que pode resistir ao poder, fama, prestígio e dinheiro que deles fluem? Será mesmo que existe um sujeito com esta envergadura, com desapego, capacidade de ser republicano, e, se preciso for, ir ao sacrifício enquanto todos parecem sucumbir? Martha já cedeu às promessas ardilosas! Terá trocado toda indignação por um lugar de vice na chapa pura do PT para 2014?
O fato é que com um panorama destes, sem renovação, somos obrigados a examinar a natureza íntima do político. Nada de vasculhar sua vida pessoal, mas suas motivações. Não que a democracia não acabe nos facultando esse direito, principalmente quando os candidatos,querendo trazer a intimidade “favorável”, se apresentam-se como “exemplares pais de família” ou sob o infalível “de origem humilde”, sem contar a barbárie de enaltecer a ignorância como uma espécie de honraria digna de louvor.
Apesar da atenção do TSE, ainda se compram votos no Brasil. Pode ser com oferta de transporte de ônibus no interior do agreste, mas pode ser pela TV, emulando bilhetes grátis e benesses infindáveis insinuadas aos sufragistas apoiadores. A mídia nos deve uma contracampanha para explicar aos desinformados que isso aí sai do bolso dos próprios cidadãos contribuintes. Esse paternalismo primitivo ainda é a forma de sedução que funciona e o grande Guia compreendeu isso com maestria, mas não se condena para sempre um povo à puerilidade. Uma hora as fraldas caem, a merenda não satisfaz, os dentes vão querer mais do que leite. A fissura de verdade é por serviços públicos de qualidade, educação e trabalho, não de bolsas engana-trouxas e esmola para incautos.
Pois é nessa atmosfera que a opinião publica, insignificante, omissa e sofrida enxergou no juiz negro, arredio e com semblante de promotor, uma espécie de resistência heroica. Joaquim Barbosa, aquele de quem se dizia, aos sussurros, que “jogava para a plateia”, emerge do tribunal como uma das raras e expressivas figuras da República que encarna não exatamente a figura de herói — afinal, a vaidade é um componente importante para a vida pública — mas a de um sujeito que esbraveja ante a cooptação, às maledicências da boca pequena, o conluio civilizado das mesas gigantes de escritórios poderosos. Sempre preferi advogados aos juízes e promotores, mas, desta vez, é preciso render-se à homenagem.
O juiz que se dobra na capa não tem muito a esconder, e ainda consegue ser claro, especialmente autêntico, característica que, desvalorizada, caiu no descrédito: ele não dissimula. Vai na contramão do coaching pregado por headhunters quando orientam seus pupilos: sejam estudadamente espontâneos! Joaquim Barbosa simplesmente não consegue deixar sua transparência de lado. E sua oposição à acomodação, à civilidade sem brilho, cria na corte aquilo de que mais precisamos neste momento: o conflito justo, a reação à norma, um ponto de desvio que cede ao impulso e à legítima estupefação. Uma oposição à máquina de moer acoplada à Brasília. Barbosa gera admiração exatamente por sua atitude política de recusar o jogo político. Ele deverá perder, poderá perder, certamente perderá! E com ele, todos nós um pouco. O que ganha alguém que não se deixa dominar e se insurge às cooptações políticas? Nada!
Terá apenas preservado a vela orgulhosa, aquela que confia no próprio brilho. Considerando a exiguidade das nossas vidas, a história passa a ser o juiz mais formidável já inventado.