Por mais que o mensalão ainda ocupe tempo, por falta de melhor assunto no cardápio do brasileiro que se considera da classe média, já é hora de investir mais atenção no esporte político que, de quatro em quatro anos, como a Copa do Mundo de Futebol, monopoliza a atenção popular. Não que um tenha a ver com o outro, ao contrário, mas para distanciá-los antes que os clubes venham a ser peças eleitorais indispensáveis à democracia, a suprema razão de ser da boca para fora do brasileiro.
A última sucessão presidencial salvou o PT e o ex-presidente Lula de irem longe demais e ficarem sem volta no desvio fatal chamado terceiro mandato, a que um e outro se consideravam com direito líquido e certo. Lula deu tratos à bola e, para não bater de frente com o partido que se considera de esquerda (e não sabe a diferença que o fez dobrar à direita), optou pela saída que ainda não superou o impasse com a candidatura de Dilma Rousseff (que não fazia arte do jogo).
Entre a falta de resultados convincentes e obras que não saíram do papel nos dois mandatos de Lula, sobressaíam as previsíveis dificuldades de encaminhar uma candidatura condizente com o presidente que se recusava a ser ex-presidente. A solução que ocorreu a Lula, e não chegou a ser discutida senão por ele com ele próprio, foi confundir adversários e petistas com uma candidatura feminina valorizada pela surpresa e dispensada de ouvir o PT na tomada de decisão. Lula lançou Dilma Rousseff, no tranco, para sucedê-lo e ficar lhe devendo a gentileza. Havia razões que o tempo apontaria e outras que até hoje não interferiram. É como se não existissem.
A partir daí ninguém mais seguraria o ex-presidente, cujo cálculo relativo à candidatura Dilma incluiu a dependência eleitoral dela para ele, que esbanja voto como novo-rico num país de classe média politicamente ainda canhestra. Assim foi e continua, mas sem a garantia do que sucederá, considerando que o mensalão vive os últimos estertores. A sucessão se fará no mesmo espaço social. Para não sucumbir à nostalgia do poder, Lula preveniu-se, primeiro, com o comando da campanha eleitoral, para manter o PT afastado. E, sem olhar para trás no tempo, onde estão sepultadas candidaturas que não faturaram proveito eleitoral..
A presidente não passou recibo e fez que não ouvia o que se dizia, até que a necessidade lhe propôs a questão ética, à qual nada deve. Mas Lula se intrometia na seara do governo e falava por ela, sem que uma voz ponderada o advertisse. O presidencialismo não comporta ventríloquos no exercício do poder. O dueto dos dois desafinou pelas razões a que a razão fecha os olhos para não piorar a situação.
Lula gosta de falar, e fala mais do que o indispensável quando se sente presidente por conta própria. A sucessora de Lula encontrou a saída do impasse doméstico graças ao pendor moralista revelado no exercício do poder presidencial, no país em que acaba de desembarcar a nova classe média diplomada às carreiras.
Por enquanto, equilibram-se em expectativa duas candidaturas à próxima oportunidade: Lula espera como retribuição a desistência de Dilma Rousseff a seu favor, mediante troca do segundo mandato dela pelo terceiro dele. Claro, dependendo das variáveis e dos imprevistos. Mas Lula repete com frequência que a segunda candidatura é direito natural de Dilma Rousseff. É aí que a suspeita assina o ponto. Se não for para reeleger Dilma, a oportunidade será dele. É só, por enquanto, fazer por onde. Da contradição fez um método que explica o ex-presidente melhor do que qualquer concepção científica dentre as que valorizaram o século 20. Morder e soprar é remédio antigo.
Pelo lado de Lula, a sucessão está definida: a candidata é Dilma Rousseff, ele fica de suplente. Ela guarda o lugar para ele. Se não aguentar os trancos, ele se apresentará porque a segunda oportunidade lhe reserva, como alternativa, o terceiro mandato. Se a situação econômica e seu reflexo social pedirem mobilização de opinião pública, ele contará certo com a nova classe média que, a seu ver, cede prioridade ao voto e, pelo terceiro mandato, deixa o consumo para depois.