Focados na disputa renhida que será travada no segundo turno, só com o tempo compreenderemos todas as consequências que o furacão conservador de domingo trará para o sistema político. Já sabemos que, seja quem for o eleito, nada mais será como antes na forma de fazer política e de governar, depois que o velho sistema partidário foi atropelado na eleição parlamentar. Algumas siglas perderão a relevância e algumas podem mesmo desaparecer. A governabilidade não poderá mais ser comprada como antes, com cargos e licença para roubar, mas será preciso inventar a receita para construí-la com 30 partidos na Câmara e 21 no Senado.
Nesta razia dos partidos, o que tem sido apontado como debacle do PT precisa ser relativizado, apesar dos quase 20 milhões de votos que Bolsonaro teve a mais que Haddad, apesar da derrota de nomes emblemáticos. Para um partido que desde 2005, com o estouro do mensalão, é minado pelo antipetismo, levar Haddad ao segundo turno foi evidência de um pacto sólido com o terço do eleitorado concentrado no Nordeste, mas não só nordestino. O antipetismo é uma narrativa de ódio, em que o PT é apontado como parteiro e campeão da corrupção, destruidor da economia e mentor de um projeto de venezuelização. O PT o subestimou e não combateu. Foi prova de resiliência eleger três governadores e a maior bancada na Câmara depois da deposição de Dilma e da prisão de Lula, condenado com base em indícios, num processo que tramitou na segunda instância em ritmo destinado a tirá-lo do páreo, pois do contrário seria eleito. Relativa é também a “derrota” do conjunto da esquerda. A soma dos votos de Haddad e Ciro Gomes é 41%. Somados, não estão muito longe dos 46% obtidos por Bolsonaro.
Mais forte foi a devastação dos partidos maiores e tradicionais, e isso impactará o futuro. O MDB virou sangue-suga de todos os governos com a venda de seu apoio parlamentar. Quase sempre dono da maior bancada, o partido que elegeu 64 deputados em 2014 agora terá apenas 33. Com a sexta bancada, não poderá sonhar com sua capitania quase hereditária, a presidência da Câmara. O PSDB tinha a terceira maior bancada, com 54 deputados eleitos em 2014, que depois minguagem. Agora elegeu apenas 29. Na décima posição, será um partido de baixa relevância. Os partidos do Centrão tiveram entre 29 (DEM) e 37 deputados (PP). Continuam sendo médios, mas não serão tão influentes. Bem acima deles estará o PSL de Bolsonaro, que elegeu 52 deputados.
Governar com este quadro, sem “toma lá dá cá”, como promete Bolsonaro, é algo ainda a ser demonstrado. Por outro lado, se o PT vencer, terá que se redimir de vários erros, inclusive nesta questão. Ninguém sabe como será o amanhã.
Passando açúcar
O candidato da extrema-direita está sendo naturalizado, como se a votação obtida pudesse neutralizar o que nele assusta. O mercado aplaude, o dólar cai e a bolsa sobe, e o noticiário vai “esquecendo” seu discurso que colide com os valores democráticos, com o primado dos direitos humanos e da igualdade, ao discriminar pretos, mulheres, índios e gays.
A França levou um susto em 2002 quando, pela primeira vez, a extrema-direita chegou ao segundo turno com Jean-Marie Le Pen. Esquerdas e centro-direita se juntaram para dizer não ao perigo fascista. Jacques Chirac foi eleito. Aqui, não se nota disposição de unidade, por ora. FHC desmentiu que pense apoiar Haddad. Ciro Gomes informou que dará apenas “apoio crítico”. Marina Silva caiu fora. O PSB tomará sua decisão hoje, provavelmente de apoio decidido a Haddad, como fez o PSOL.
Ontem ele visitou Lula mas não saiu anunciando o que conversaram. A carga sobre seus ombros é imensa, e ele precisa assumir sua persona, buscar apoios e convencer os indiferentes do centro. Terá que apresentar rapidamente um programa econômico detalhado e um plano de segurança. Bolsonaro não tem que ajustar nada no discurso. E mostrou isso ontem ao refugar, com xingamentos, a proposta de um acordo contra fake news.