O clima está mudando. Faltando três dias para a volta às urnas, surgem sinais claros de que o sentimento do eleitorado foi tocado pelas proclamações precoces do que será o governo Bolsonaro, feitas pelo próprio, no embalo do já-ganhou. O Ibope de anteontem captou a redução nacional da diferença entre os dois candidatos, a inversão nas curvas de rejeição de ambos, mudanças no voto evangélico e a surpreendente virada de Fernando Haddad na capital paulista, entre outros indícios. Estamos na esquina da História, prestes a fazer uma grave escolha, e algum vento sopra.
Mantido este vento até domingo, poderá ser suficiente ou não para a virada, mas a vitória estrondosa de Bolsonaro, como se esperava, não deve acontecer. O surto coletivo pode ter começado a passar, na medida em que Bolsonaro deu-se mais a conhecer àqueles que com ele se identificavam a partir de três linhas discursivas: o antipetismo visceral, a promessa de “pegar pesado” contra os bandidos, para garantir mais segurança, e o moralismo conservador, apelando a fake news bizarras, como a do kit gay. Estas foram as três razões apresentadas pela maioria dos que nele votaram no primeiro turno.
Nos últimos cinco dias ficou muito claro que, eleito, Bolsonaro implantará um regime autoritário, de perseguição, censura e desapreço pelas regras e instituições da democracia. O mergulho no desconhecido tornou-se mais concreto, e não foi pelo discurso dos adversários. Foi pela fala do próprio Bolsonaro no domingo, revelando-se demais aos que não o conheciam bem, com a promessa de “varrer os vermelhos”, mandando-os para a prisão ou o exílio; foi seu filho, ao defender o fechamento do STF, cuja ampliação, para ser melhor controlado, o pai também já havia defendido; foi o coronel de pijama Carlos Alves, com seu vídeo cheio de imundícies políticas e verbais, insultando o STF, o TSE e a ministra Rosa Weber.
E antes disso, houve a revelação da “Folha de S. Paulo”, de que empresas pagaram disparos de milhares de mensagens negativas ou falsas contra o candidato petista antes do primeiro turno. O TSE apenas abriu a investigação da denúncia mas o fato mexeu com os nervos do bolsonarismo, deflagrando a onda de falas e fatos desgastantes que contribuíram para o aumento de sua rejeição em cinco pontos percentuais, ao passo que a de Haddad caiu seis.
O crescimento do petista em São Paulo é inusitado. No primeiro turno, ele teve 19,7% dos votos na cidade que governou e lhe negou a reeleição, contra 44,58% de Bolsonaro. Agora, segundo o Ibope, tem 51% contra 49% do outro. O desgaste do candidato tucano-bolsonarista João Dória teria ajudado o petista.
Outro sinal importante vem dos evangélicos, onde começa a prevalecer o entendimento de que o discurso de ódio e violência do candidato do PSL não combina com o evangelho. Segundo o Ibope, ele perdeu 7 pontos percentuais no segmento. Entre os que dizem votar nele “com certeza”, a queda foi de 12 pontos (de 55% para 43%). Haddad subiu seis pontos, passando de 16% para 22% neste recorte. A rejeição a Bolsonaro entre eles subiu de 23% para 29% e a do petista caiu de 60% para 48%.
O candidato que já se sente eleito perdeu pontos também entre os eleitores com segundo grau completo e entre os que ganham de 2 a 5 salários mínimos. Mas entre estes “mais pobres” sua vantagem ainda é de 27 pontos: 57% a 30%. Ele perdeu cinco pontos e Haddad ganhou dois.
Finalmente, alguns atores políticos do campo democrático começam a romper com a omissão, ora envergonhada, ora despudorada, escorada no argumento “jamais votarei no PT”. Ontem, o senador eleito Jarbas Vasconcelos, do MDB, e o ex-deputado Alberto Goldman, ex-deputado, ex-presidente do PSDB, declararam voto em Haddad. No final da ditadura, eram deputados pelo PMDB de Ulysses Guimarães e lutavam pela democracia. Outros também sabem o que é uma ditadura, mas continuam no muro.