A presença do juiz Sergio Moro no superministério da Justiça do governo Bolsonaro é reveladora do tamanho das ambições políticas do presidente eleito e da existência de um projeto articulado de permanência do novo bloco no poder. Se não com o próprio Bolsonaro (que já disse não desejar a reeleição, mas pode recuar, como tem recuado de outras decisões), com quem represente a extrema direita vitoriosa. No núcleo duro do novo poder já se dizia, ontem, que Moro pode ser candidato a presidente em 2022.
O custo lateral – a evidência de que Moro atuou na Lava Jato tendo lado político, nociva à própria crença na operação e na Justiça – é ninharia diante do objetivo maior. Foram calculados, no convite e no aceite, as reações do PT e forças derrotadas com grande ajuda da Lava Jato. “Sérgio Moro aceitar o ministério de Bolsonaro é um ato de coerência. Eles estavam militando no mesmo projeto político: o da extrema-direita. O grave é esconder interesses eleitorais por baixo da toga. Não há caso similar no mundo inteiro”, disse o governador Flavio Dino (PC do B-MA), ex-juiz, aprovado em primeiro lugar na mesma turma de Moro. “Ajudou a eleger, agora ajuda a governar’, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. É ocioso repetir aqui todos os atos de Moro danosos a Lula e ao PT, da condução coercitiva ao vazamento da delação de Palocci agora nas vésperas do segundo turno. Vale dizer, quando já havia sido sondado por Bolsonaro para ser ministro.
A defesa de Lula anunciou novo recurso em que dirá estar provado seu argumento de que Lula não teve um julgamento justo, em processo conduzido “com o claro objetivo de interditá-lo politicamente”. Nas redes sociais muitos fãs de Moro confessaram decepção. Tudo isso pode até desgastar, mas não abala a marcha do projeto bolsonarista.
Moro na Justiça será o grande xerife nacional, a encarnação da luta contra a corrupção e a bandidagem, a imagem do Estado forte punidor. Comandará uma Lava Jato federal, com ascendência sobre o Coaf e a CGU, dirigirá a política nacional de segurança, comandando a Polícia Federal, a Força Nacional de Segurança e a Polícia Rodoviária Federal. Bolsonaro teria até lhe prometido influência sobre a escolha do futuro procurador-geral da República.
Será ele um dos pilares do projeto de longo fôlego de Bolsonaro que vem se expressando na montagem do governo, com articulação das forças que proporcionaram a vitória da extrema direita: do Judiciário, do Ministério Público, do estamento militar e do mundo religioso. Magno Malta, como não, terá o ministério da Familia, seja isso o que for. Partidos serão secundários e o próprio poder econômico começa a ser contrariado, como no caso da fusão do MDIC com a Fazenda.
O que está surgindo é mais que um governo, é um regime. A grande indagação nacional sobre sua longevidade ou transitoriedade não terá resposta no curto prazo. As alianças são muito fortes, inclusive no plano externo, mas a política tem variáveis incontroláveis. Mesmo com xerife, generais e pastores, e com um czar na economia, se o governo não produzir respostas para a vida cotidiana, o apoio de quase 58 milhões de eleitores pode se esvair, como sempre acontece.
Quanto a seu futuro na política, Moro fez aposta de risco. Era juiz blindado, agora será ministro demissível. Cargos executivos são inglórios, por mais competência que se tenha, pois nem todos os problemas podem ser resolvidos. Ainda mais numa megapasta, reunindo tão variados assuntos. O horizonte é a vaga no STF mas quando ela surgir, daqui a dois anos, estará ele com o prestígio de hoje intacto? Ninguém sabe.
Alguma luz
Os ministros do STF aprovaram por unanimidade a liminar da ministra Cármem Lúcia contra as invasões de universidades nas vésperas do segundo turno. O decano Celso de Mello fez a síntese: “Ninguém pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios”. Embora o STF tenha vacilado tanto nos últimos anos, sua unidade em torno das garantias democráticas é a luz que nos anima.