Entre a noite de quarta-feira e a manhã de ontem o Senado mostrou ao presidente eleito Jair Bolsonaro que ele vai precisar de uma base parlamentar para chamar de sua. Com a aprovação do aumento salarial de 16,38% para os ministros do STF e da medida provisória concedendo incentivos fiscais à indústria automobilística, Bolsonaro colheu duas derrotas e recebeu um aviso: não arrancará do Congresso tudo o que quiser por causa da lua de mel com o eleitorado, nem com “prensa” ou com terror pelas redes sociais. Foi uma bordoada no triunfalismo de todo o seu grupo.
Na tarde de quarta-feira, entre uma entrevista e outra, Bolsonarao fez um apelo para que o Senado não votasse o aumento do Judiciário. Achou que bastava. Havia estado com o presidente do Supremo, Dias Toffoli, importante articulador da votação, mas não abordou o assunto. Na véspera, encontrou-se apenas protocolarmente com os dirigentes do Congresso. Poderia ter dedicado parte do tempo que gastou visitando os comandantes militares, que não chefiam poderes e nem são ministros, a uma conversa sobre a agenda parlamentar em curso neste final de ano. Nem ele nem seu futuro articulador político, Onyx Lorenzoni, trataram disso.
E para completar, Guedes saiu-se com a história de dar “uma prensa” no Congresso para que vote ainda este ano a reforma previdenciária de Temer. Os protestos foram ignorados como esperneios de cachorro agonizante. O filho de Bolsonaro, Eduardo, já havia falado também no uso das redes sociais para intimidar deputados que resistirem às reformas do pai. Pegou mal também. Deu no que deu.
Como o salário dos ministros do STF é o teto do funcionalismo público, o aumento descerá em cascata sobre todos os poderes gerando um custo adicional de R$ 4 bilhões para o ano que vem. A medida criando o programa Rota 2030, apelido da redução de impostos para as montadoras, já fora aprovada pela Câmara. Subtrai dos cofres públicos, segundo estimativa da Receita Federal, R$ 2,1 bilhões. Era também de se esperar que entrasse em pauta antes que caducasse, na semana que vem. Na manhã de ontem, entre protestos contra os que chamaram a aprovação da véspera de pauta bomba, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, comandou uma votação relâmpago.
Bolsonaro vai governar com outro Congresso, bastante renovado e afinado com a agenda ultraliberal de Guedes, mas não estará livre dos caciques da “velha política”. Entre eles, Michel Temer, que uma hora depois da votação assinou um decreto que levou no bolso, regulamentando a bondade, diante de felizes capitães da indústria automobilística numa feira do setor. Eunício não foi reeleito, mas outra raposa tomará seu lugar na Mesa.
No início da legislatura, o Congresso não deve negar a Bolsonaro a aprovação das primeiras medidas, como a reforma previdenciária, que dificilmente sairá este ano, ou a medida provisória que porá de pernas para o ar a administração pública federal, com fusões e extinções de ministérios. Todo presidente desfruta desta indulgência inicial, mas os primeiros cem dias passam logo e será preciso ter uma base verdadeira para garantir a governabilidade. Mas como como montar uma coalizão tendo ele jurado enterrar o “toma lá, dá cá”, a partilha do governo com partidos aliados?
A indicação da deputada Tereza Cristina para o ministério da Agricultura foi um sinal de que a ficha está caindo. Ela foi indicada pela bancada ruralista e não por seu partido, o DEM, mas o sinal foi de que Bolsonaro piscou. É com as bancadas temáticas que ele pretende formar a maioria, mas isso dificilmente funcionará numa Casa organizada em partidos políticos. Ainda que agora, na formação do ministério, ele resista a negociar com eles, acabará tendo que jogar o velho jogo. O sistema partidário que temos o impõe. Na Câmara, onde o PSL terá 51 deputados, o governo precisará de mais 250 deputados para aprovar uma emenda constitucional. É muita gente para ser dobrada com prensa ou com terror digital.