A evidência de que o plano de governo só começa a ser elaborado agora, os desatinos em política externa, a negligência parlamentar e até mesmo as dúvidas sobre o êxito do programa econômico ultraliberal (apesar da crença do mercado) despertam dúvidas em alguns (esperança para outros) sobre sua duração. Bola de cristal ninguém tem mas uma coisa é certa: a extrema direita que ele representa é tosca e áspera mas está se organizando para um reinado longo e articulado internacionalmente.
O filho do presidente eleito com mais pretensões ao papel de ideólogo e articulador internacional do clã, Eduardo Bolsonaro, anunciou ontem pelo Twitter que a tal Cúpula Conservadora das Américas vai mesmo acontecer. Será no dia 8 de dezembro em Foz do Iguaçú e terá o patrocínio da Fundação Indigo de Políticas Públicas, do PSL, e do Centro de Estudos de Seguridade, criado por professores liberais da Unifesp. O evento chegou a ser adiado, para que Bolsonaro dele pudesse participar já empossado, mas agora vai acontecer mesmo antes da posse. A mensagem não menciona sua presença, dizendo apenas que o site do evento (www.cupulaconservadora.com.br) em breve divulgará os nomes dos participantes das quatro mesas redondas. “É chegada a hora de organizarmos nossa ideias, as bandeiras e diretrizes para um mundo melhor, onde o indivíduo será o protagonista e não mais o coletivo ou o Estado”, diz o deputado mais votado da história eleitoral do país.
Da cúpula deve surgir um organismo que congregue partidos ultraconservadores de diferentes países das Américas, numa espécie de contraponto ao odiado Foro de São Paulo, associação dos partidos de esquerda latino-americanos criada nos anos 90 por iniciativa de Lula, Fidel Castro e outros líderes regionais.
A ascensão da direita é um fenômeno mundial, que muitos pensadores atribuem ao aumento das desigualdades produzidas pelo capitalismo global financeirizado, gerando legiões de despossuídos que, desiludidos com a democracia, com a falta de soluções para seus problemas, aderem a projetos e líderes autoritários de direita ou extrema-direita. Bolsonaro tem sido apontado como um imitador de Trump ou comparado a Duterte, das Filipinas, e ainda ao húngaro Viktor Orban, mas é fato que nenhum deles fez carreira política, por anos a fio, defendendo a ditadura, a tortura, a discriminação de negros e gays e, já eleito, a prisão e exílio de seus adversários políticos. A negligência foi dos líderes dos partidos de esquerda, do centro e da direita democrática, que poderiam ter lhe imposto limites com bases nas leis de defesa do Estado Democrático de Direito, hoje tão anêmico. Não poderia ter havido indulgência, por exemplo, com a apologia à tortura, inclusive na sessão de votação do impeachment de Dilma.
E há outras diferenças em relação aos dois. Duterte, um torcionário, move uma sangrenta guerra às drogas e aos criminosos comuns em geral. Trump tem inimigos externos: a China, o globalismo, os imigrantes, e dá caneladas até nos aliados históricos europeus. O bolsonarismo elegeu como inimigo essencial o PT e a esquerda, e tudo o que a ela for vinculado, como os médicos cubanos. Criou fantasmas morais-culturais, como um comunismo fora de tempo e lugar e a “ideologia de gênero”, além de índios, negros e gays. Essa guerra cultural, que tira o foco do essencial e coloca no acessório, continua sendo alimentada pelas redes sociais.
A extrema-direita tupiniquim é intelectualmente rudimentar e alguns quadros do futuro governo exibem um despreparo gritante para os cargos que ocuparão. O superministro Guedes pode ser doutor em economia, mas desconhece procedimentos básicos da gestão pública (em que nunca atuou), como o fato de ser o orçamento aprovado na legislatura anterior ao ano fiscal. O futuro chanceler espanta o mundo ao escrever que a mudança climática é uma trama marxista. Mas aguardemos, pois Deus pode ser ainda brasileiro e propiciar ao país um governo exitoso e longo.
É acreditando que extrema-direita veio para ficar que Eduardo Bolsonaro prepara a Cúpula Conservadora das Américas e pensa na I Internacional Reacionária.