Se existe um consenso sobre o futuro governo Bolsonaro é o de que sua maior fragilidade está na falta de uma base parlamentar sólida e no confuso esquema de articulação política, em contraste com os núcleos militar e técnico. E isso piorou ontem com os sinais de que o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pode ter caído na frigideira antes mesmo de tomar posse: Bolsonaro ameaçou usar sua caneta Bic se houver “comprovação ou denúncia robusta contra quem quer que seja”. Falava do caso Lorenzoni mas, usando dois pesos e duas medidas, não disse que isso vale para o futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, que também está sendo investigado.
Pelo contrário. No sábado, quando foi abordado sobre o inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar negócios suspeitos de Guedes com fundos de pensão de estatais, amplamente noticiado, saiu-se com esta: “Desconheço investigação sobre Paulo Guedes. Eu integro o Poder Legislativo e integrarei o Executivo. Isso compete ao Judiciário”. Poderia ter dito o mesmo sobre a decisão do ministro Luiz Fachin, de autorizar a investigação do recebimento, por Lorenzoni, de duas doações da JBS, no valor de R$ 100 mil cada uma, por caixa 2 (omitida da Justiça Eleitoral). O deputado e futuro ministro já havia admitido um recebimento. Ontem considerou a investigação “uma bênção” que lhe permitirá esclarecer tudo.
O tratamento distinto conferido por Bolsonaro às duas denúncias reforça a desconfiança de que, ao contrário de Guedes, Lorenzoni caiu precocemente na frigideira presidencial. Começar o governo com um coordenador político enfraquecido, ameaçado de demissão, é de péssimo alvitre. O enfraquecimento de Lorenzoni já ficara nítido, na semana passada, com a nomeação do general Santos Cruz para a Secretaria de Governo. Bolsonaro informou que ele terá também um papel na articulação política, por mais estranha que a atividade seja a um militar que sempre atuou em ações de campo.
O futuro vice, general Mourão, também atiçou o fogo dizendo ontem que, se as denúncias contra Lorenzoni forem comprovadas, ele terá de deixar o governo. E que, se Bolsonaro indicar, ele também participará da coordenação política. É difícil que o presidente eleito escale para a tarefa um vice cuja loquacidade (e posições que, pela ponderação em alguns temas, conquista simpatias) vem tentando podar. De todo modo, uma coordenação política a três é que não funcionará mesmo, ainda mais num governo que renegou a formação de uma coalizão partidária em favor da relação com frentes temáticas.
Afora a descrença no esquema político palaciano, cresce a desconfiança na real disposição do futuro governo para enfrentar temas ásperos, impopulares mas necessários, como a reforma da Previdência. Bolsonaro tratou ontem de neutralizar o mau humor do mercado com o anúncio de que a reforma será proposta de forma fatiada. Assegurou que a matéria começará a ser votada nos primeiros seis meses, começando pela questão da idade mínima para aposentadoria.
O mercado gostaria de vê-lo dizer que atacará o problema já no primeiro dia da legislatura, e ele tem razão quando diz que é preciso respeitar o tempo parlamentar. Mas se deixar o semestre correr frouxo pode perder a preciosa janela de tempo em que, com a popularidade alta, presidentes conseguem maior boa vontade do Congresso. A chamada lua de mel, que pode ser mais curta do que ele espera, por todos os sustos e receios que o futuro governo vem despertando.
O que é isso, Mandetta?
Os médicos cubanos já se foram, as substituições não estão sendo o passeio que o governo atual e o futuro esperavam. Provocar Cuba, nesta altura, é uma inutilidade. Só pode ser provocação o que fez o futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao indicar para a secretaria que comandará o Mais Médicos a pediatra Mayra Pinheiro. É aquela que ficou famosa ao participar de protesto incivilizado na chegada dos cubanos a Fortaleza, em 2013, quando apareceu liderando a vaia e chamando-os de “escravos”.