Entre todas as dúvidas e incertezas que o futuro governo Bolsonaro desperta, as mais agudas vêm da política externa. Quase todos os movimentos que o presidente eleito faz nesta área alargam as arestas que terão de ser aparadas para evitar danos ao país. Ontem o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, expoente do agronegócio, fez severas advertências sobre o risco de um contencioso com os países árabes e a China. Mas o dia terminou com outra iniciativa preocupante: o anúncio de que Bolsonaro irá ao fórum de Davos em janeiro, e lá vai anunciar uma revisão do Mercosul antes de prosseguir com as negociações do acordo entre o bloco e a União Europeia. Até onde se sabe, os vizinhos não foram previamente informados, e devem reagir.
Mais cedo Bolsonaro recebeu um telefonema de Maurício Macri, e na conversa combinaram uma visita do presidente argentino em 16 de janeiro. Foi Macri que divulgou a conversa, e não fez qualquer menção à “revisão do Mercosul”, que a equipe de Bolsonaro também não explicou em detalhes. O Mercosul é uma união aduaneira, baseada na existência de uma tarifa externa comum, a TEC. A supressão da TEC (para importações) seria o fim do próprio bloco. Muito provavelmente, o que o futuro governo deseja rediscutir é a decisão 32/00, pela qual os sócios plenos do Mercosul só podem negociar conjuntamente acordos comerciais – com outros países ou blocos econômicos. E isso não é fácil: Brasil e Argentina, principalmente, têm interesses muitas vezes conflitantes que dificultam os acordos. Os críticos da decisão dizem que ela impede o Brasil de realizar acordos mais amplos e vantajosos.
O problema é anunciar, num foro global, a revisão de um acordo regional antes do início de conversações sobre o assunto com os próprios parceiros, o que não deixa de ser uma deslealdade. O Mercosul é uma construção que consumiu décadas de esforços diplomáticos. Existem problemas, como essa amarra dos acordos, mas o Brasil tem ganhado muito com ele, obtendo, por exemplo, um largo superávit comercial no comércio intrabloco, enquanto os outros têm déficit. Com a ida a Davos, Bolsonaro quer melhorar a percepção internacional sobre seu futuro governo, mas tudo o que diz piora as coisas.
Sem esperança
Lula tornou-se réu mais uma vez ontem. Agora por conta da doação de R$ 1 milhão feita pela construtora ARG ao Instituto Lula, pessoa jurídica que não se confunde com sua pessoa física. A doação declarada à Receita, os impostos foram recolhidos mas, para o Ministério Público, foi propina, em troca de lobby para a construtora junto ao governo da Guiné Equatorial. Isso não vai ter fim, Lula pode mesmo passar o resto da vida preso.
Até Moro parece ter sentido um comichão de remorso, ao dizer anteontem que lamenta ter condenado um presidente “que fez coisas boas” para o país. Temer e Bolsonaro participaram ontem da inauguração do primeiro dos quatro submarinos com que Lula, em 2008, presenteou a Marinha, assinando o contrato com a França. Nenhum governo, após a ditadura, garantiu tantos recursos às Forças Armadas. Mas aquele tuíte ameaçador do general Villas Bôas pode ter abortado a disposição do STF para conceder o habeas corpus a Lula.
Perdeu o pirulito
Decretando a prisão de Cesare Battisti, o ministro do STF Luiz Fux fez uma média com o presidente eleito Bolsonaro, que por sua vez queria marcar um ponto com o vice-premiê Matteo Salvini, líder da extrema direita italiana. Mas Temer, que tem se esmerado em paparicar Bolsonaro, neste caso tomou-lhe o pirulito, decretando a extradição do italiano.
Em recente troca de mensagens, Salvini disse a Bolsonaro: “um condenado à prisão perpétua que curte a vida nas praias do Brasil, a despeito de suas vítimas, me deixa furioso. Darei grande mérito ao presidente Bolsonaro se ajudar a Itália a fazer justiça”. Bolsonaro agradeceu prometendo que tudo será “normalizado brevemente no caso deste terrorista assassino defendido pelos companheiros de ideais brasileiros. Conte conosco.”