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Esperando Queiroz

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Há dez dias está em cartaz o escândalo da movimentação financeira suspeita de R$ 1,2 milhão pelo ex-motorista do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro, Fabrício de Queiroz, que sumiu no mundo sem apresentar, de público, a “explicação plausível” que teria dado ao antigo chefe. Enquanto isso, vão surgindo mais e mais revelações sobre as estranhas relações da família Bolsonaro com os funcionários de seus gabinetes parlamentares. O sumiço e o silêncio de Queiroz atravancam as investigações, mas também apontam para a gravidade do que poderia revelar.

O enredo engrossou. Já se sabe que Nathalia Queiroz, filha do movimentador da conta, foi lotada em dezembro passado no gabinete de Bolsonaro pai, na Câmara, embora atuasse intensamente como personal trainer de famosos no Rio. Acrescento: contratada com salário bruto de R$ 8.752,58, ela depositou na conta do pai praticamente tudo o que ganhou em 2017: R$ 84.000, segundo o COAF. O caso dela, semelhante ao da Val do Açaí, tem que ser explicado pelo presidente eleito. Já apareceu outro PM, também funcionário de Flávio, que ganhava da Alerj mesmo passando meses no exterior. E um funcionário de Carlos deslocado para a campanha do pai. Já se sabe que Fabrício, movimentando tanto dinheiro, precisou financiar 80% do apartamento que comprou recentemente na Taquara. Sua moradia atual, no mesmo bairro, é bem humilde. Seu sumiço não vai tirar o assunto de pauta.

O implacável juiz Sérgio Moro choveu no molhado: defendeu a investigação do caso e nada mais disse. O vice Mourão, como sempre, mordeu e assoprou. Primeiro disse que Bolsonaro demorou a se pronunciar. Depois, que havia dito o necessário sobre o cheque de R$ 24 mil para sua mulher. Outros militares estariam constrangidos.

Assim, vai se firmando a convicção de que a conta de Queiroz recebia a parcela “rebatida”, como se diz na Câmara (onde a prática corrente), do salário dos funcionários. O clã Bolsonaro, lembremos, tem na legislatura atual quatro gabinetes parlamentares. Os dois deputados federais (Jair e Eduardo), que podem gastar até R$ 106 mil mensais com funcionários, o estadual Flávio e o vereador Carlos.

E aqui chegamos a uma ironia da história. Na querela dos médicos cubanos, Bolsonaro atacou principalmente o fato de Cuba ficar com uma parte do valor repassado pelo Brasil por cada profissional. O governo cubano fazia isso com transparência e anuência dos médicos, injetando os recursos obtidos em seu eficiente sistema público de saúde. “Trabalho escravo inaceitável”, dizia Bolsonaro. Merecerá o troféu hipocrisia se, eventualmente, for demonstrado que sua constelação parlamentar beliscava os salários de funcionários pagos com dinheiro público.

Jesus na goiabeira

O bolsonarismo enfureceu-se com a divulgação do vídeo em que a futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse ter visto Jesus num pé de goiaba quando era criança, quando pensava em suicidar-se após ter sofrido abuso sexual. Alguns jornalistas estão sendo atacados com fúria porque comentaram criticamente a epifania da pastora. Bolsonaro tuitou: “É surreal e extremamente vergonhoso ver setores da grande mídia debocharem do relato da futura ministra Damares Alves sobre a fé em Jesus Cristo, que a livrou de um suicídio desejado por conta de abusos sofridos na infância. Lamentável!”

Quem duvida da aparição não debocha, só questiona o poder sobrenatural de Damares para ver Jesus. E isso não tem nada a ver com o fato de ter sido abusada, pelo qual merece solidariedade. Mas Bolsonaro sim, já tripudiou muito sobre a dor alheia: ele mesmo desejou a morte de Lula quando teve câncer e que Dilma morresse infartada. Ofendeu a deputada Maria do Rosário dizendo não estuprá-la por ser feia. E votou pelo impeachment homenageando o torturador Ustra, “o terror da Dilma na prisão”, para ficar nos casos mais escabrosas. Agora, está apelando para o vitimismo.