Todos os presidentes do Brasil Democrático, ao tomarem posse - começando por Tancredo Neves, cujo de discurso foi lido por José Sarney, pois fora operado na véspera - fizeram referências à pobreza, à desigualdade e à busca de justiça social. Estas expressões não apareceram nas duas falas de Jair Bolsonaro ao ser empossado ontem. Ele falou como quem segue no palanque, fustigando adversários e prometendo combate, apesar de uma promessa paradoxalmente perdida no conjunto: a de “construir uma sociedade sem discriminação ou divisão”.
No Congresso o discurso foi mais institucional, como é de praxe, mas não livre do tom messiânico e belicoso, que ficou mais agudo e estridente na fala ao povo no parlatório do Planalto: definiu sua posse como “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.”
O socialismo então passou por aqui e só ele viu. Todos foram incentivados a dizer coisas que ofendem o outro, a revelar os mais escabrosos sentimentos, como o racismo e o preconceito. Deve ser isso que significa a libertação do politicamente correto.
Indicações concretas sobre os rumos do governo continuaram em falta mas sobraram certezas de que será um governo de confrontos. Ele começou o discurso no Congresso repetindo o agradecimento a Deus por ter sobrevivido à facada, que mais adiante atribuiu a “inimigos da Pátria, da ordem e da liberdade”. Quem vai mandar na Polícia Federal pode agora esclarecer quem são eles, além de Adélio Bispo. Pediu o apoio e a ajuda de cada congressista, mas resvalando para a picuinha política: ajuda para reerguer a Pátria, “libertando-a, definitivamente, do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica”. Ora, o PT já se foi do governo há mais de dois anos, e a referência só pode ter sido a ele, não a Temer, é claro. Falou em partilhar o poder, mas não foi com o Congresso, e sim com estados e municípios, “de Brasília para o Brasil”.
Espremido, o discurso se compromete com quatro eixos de ação: a batalha ideológico-cultural, o enfrentamento da criminalidade (com referência a liberação da posse de armas), o combate à corrupção e medidas liberalizantes para dinamizar a economia, prometendo austeridade e respeito a regras e contratos. Enunciou princípios, não medidas.
Mas palanque mesmo virou o parlatório do Planalto, onde os discursos sempre foram mesmo mais emotivos, mas nunca tão beligerantes. Sobraram farpas para o Congresso, com a lembrança de que formou um governo de técnicos, “sem conchavos ou acertos políticos”. Vamos ver no que dará essa nova forma de governar ao largo dos partidos.
O discurso não foi a “caixinha de surpresas” anunciada pelo filho Eduardo. Tudo já fora dito na campanha, mas na posse, soava a palanque, como no chamado do povo a uma cruzada contra a “ideologização de nossas crianças, o desvirtuamento dos direitos humanos e a desconstrução da família”. Prometeu, é claro, ampliar a infraestrutura, reduzir o Estado, garantir a todos acesso a uma vida melhor. Todos têm direito a ela mas, no Brasil, alguns já têm o que é negado aos milhões de pobres e miseráveis. Sobre a desigualdade e a pobreza, nada. Depois de algumas referências aos que derrotou, tomou a bandeira que providencialmente estava a seu alcance para dizer, parece que improvisando, como numa declaração de guerra: “esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha. Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela”.
No Congresso, foi o vice Mourão que contentou os saudosos do poder militar, pela entonação com que leu o juramento de posse: quase gritando, como se cortasse o ar com uma espada.
Quem esperava um Bolsonaro moderado como presidente encontrou foi o candidato em plena liça. Quando tudo virar realidade, ninguém pode dizer que não sabia. Estamos avisados.