Nos quatro meses de vida do governo são abundantes os problemas, tanto aqueles que vieram de heranças malditas e os que ele próprio cuida de criar ou ampliar. De tal forma, que as pesquisas em relação às ações do presidente levam os mais pessimistas e muitos de seus eleitores a admitir que o mandato do presidente pode fazer água; até ser condenado ao naufrágio. Políticos e analistas buscam interpretar a origem das dificuldades, entre as quais a reforma da Previdência não pode ser apontada como o único demônio a escalar a rampa do Planalto.
Aos que têm se dedicado a explicar os tropeços palacianos talvez merecesse maiores atenções à evidente crise da palavra, que, imprópria ou mal dita, tem o condão de se ramificar, criando desídia e desconforto entre ministros, sem que seja impróprio afirmar que é pela boca que o governo mais se complica. Sempre há descontentes que se aproveitam da fraqueza da comunicação. E grorie-se o presidente Bolsonaro por ter diante de si uma oposição que vem se revelando ineficiente na articulação e, de certa forma, confusa na organização da pauta das contra-argumentações. Não fosse isso, as dores de cabeça seriam lancinantes.
Nessa quadra, sem que esteja sinalizado um novo rumo, é forçoso preocupar-se com as consequências. O primeiro temor está no próprio presidente, a quem a política ainda não ensinou a escapar das provocações, evitando o que o jargão do futebol define como “matar a bola no peito e arremessar”. A algumas de suas declarações pode-se debitar problemas nas relações com o Congresso; algo que seria perfeitamente contornável, com um pouco de prudência e recato verbal.
Sem tirá-lo de foco, têm sido fator de sinistra contribuição a ameaçar crises a impetuosidade com que seus filhos têm formulado teorias e conclusões sobre aos mais diversos e intrincados problemas nacionais e do Exterior. O presidente, não dissimula o constrangimento, mas apregoa que todos têm direito de dizer o que pensam. O que é verdade, mas sem desconsiderar que o clã bolsonarista tem maiores responsabilidades no que repercute dessa liberdade; uma liberdade que, sendo também deles, aduz comprometimentos e riscos que precisam ser dimensionados.
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Não é possível que num ajantarado de tarde de domingo pais e filhos não acordem em relação a palavras apenas essenciais; e eliminem, o quanto antes, as discussões de dolorosa esterilidade, como essa conversa de comadres com o filósofo Olavo de Carvalho. Brasília revive Bizâncio, onde sábios discutiam o sexo dos anjos, delirando, em sacrifício da realidade e dos muitos desafios que nos aguardam em todas as esquinas. Ou então nas investidas, que têm sido constantes, para construir divergências enciumadas entre o presidente e seu vice; que, em rigor, nem tiveram tempo suficiente para definir com exatidão os pontos em que promovem raciocínios diferentes.
Não se cobrará do general Mourão que seja tão discreto e silencioso como seu antecessor Marcos Maciel, nos idos de Fernando Henrique. De todos é preciso cobrar cautela, porque arruinar as relações entre presidente e o vice é projeto que sempre frequentou os porões palacianos; os dois não devem permitir que se sirvam de joguete das palavras que os instigam.
Ora, não apenas os peixes, mas também os governos podem morrer pela boca. E os anzóis do momento podem estar usando Bolsonaro, filhos e colaboradores descuidados a padecer por causa das coisas ditas fora de hora e fora do lugar.