Vistas, no domingo à noite, pela televisão, as imagens dos que foram às ruas para manifestar apoio ao governo Bolsonaro, particularmente ao seu ministro Sérgio Moro, uma análise, ainda que sem profundidade, deixa claro que a classe média brasileira continua inspirando e gerando movimentos políticos; e este é um dado que os poderes do país devem considerar, ainda que momentaneamente fortalecidos. A manifestação permitiu lembrar mobilizações recentes ou pretéritas, para confirmar que a massa mediana da população recorre a elas, para condenar ou aplaudir. Tem suas variáveis.
Ela mesma foi para o asfalto abrindo caminho para o movimento militar de 1964, logo depois traída com a ditadura, que não desejava. Decepcionada, contra ela se voltou, anos depois, para protestar contra torturas e pedir que fossem anistiados presos políticos ou exilados. Não diferentemente desse segmento, voltaria a garantir as ruas lotadas na luta pelas Diretas Já; depois pela Constituinte, na segunda metade da década de 1980.
A classe média, com aquele mesmo perfil de domingo, faria acontecer o impeachment de dois presidentes da República (eleitos diretamente, um da direita, outro da esquerda). E, no ano passado, ela mesma não se satisfez mais em ir à rua, mas foi à urna para eleger um presidente de direita. Agora, reaparece para confirmar a direita no poder, defendendo algumas bandeiras conjunturais que lhe são importantes. Enfim, é a classe média fazendo política no Brasil.
Manifestações desse tipo e com essa conduta só podemos saber como começam, mas não imaginamos como acabam. Em passado não muito distante, 2013, várias conseguiram levaram multidões às ruas do Brasil, iniciadas em São Paulo por estudantes, devido a um aumento de tarifas no transporte urbano. Mesmo sem uma conduta política clara, tinham no cerne o desejo de protestar contra um serviço público insuficiente. As autoridades reagiram no momento emergente, e a presidente Dilma tentou construir uma agenda de medidas para demonstrar boa vontade. Uma solução emergencial, antes que as coisas se complicassem.
Às vezes, esses movimentos refluem por outros motivos, pela ausência de lideranças ou pela natureza difusa dos pleitos populares, como o que haveria de levar ao impeachment da presidente em 2015, com protestos que ocorreram em diversas regiões do Brasil. Tal como agora, tendo como principal alvo a Operação Lava Jato. E a classe média, mostrando a cara, precisa ser levada em contra, independentemente de a elite pensante estar de acordo com ela.
O governo Bolsonaro, mesmo tendo entrado na semana com o reforço do asfalto, não se isenta de estar atento. Ao completar cem dias no poder já demonstrou alguma potencialidade para gerar movimentos reivindicatórios. Bastou algumas declarações desastradas do ministro da Educação, apontando contingenciamentos no orçamento, para que se provocasse mobilização geral de norte a sul do país, em defesa das universidades públicas. E, na esteira dessa reivindicação, sobrou espaço até para se pedir a libertação do ex-presidente Lula.
Contra ou a favor, os movimentos inspirados na classe média têm em comum a preocupação usar o verde e o amarelo para reclamar probidade nas gestões de governo; nem chegam a priorizar carestia, o caos na saúde, a educação em crise, porque esses são problemas que doem mais na pele dos mais pobres, os que vivem um pouco mais abaixo.