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O bolso é o mais forte de Bolsonaro

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“Política é como nuvens”, dizia o velho ex-governador e ex-senador Magalhães Pinto, fundador do Banco Nacional e eterno aspirante à Presidência da República. Quando você vê pela primeira vez, tem um formato; na segunda mirada, já mudou. Lembro disso para avaliar a pesquisa Datafolha de agosto, que apontou recuperação da aprovação de “Ótimo/Bom” de Jair Bolsonaro para o recorde de 37% (contra 34% de “Ruim/ Péssimo). Em maio, no auge da depressão econômica da pandemia da Covid-19, com Bolsonaro disparando afirmações polêmicas pela manhã e à tarde na saída e na volta ao Palácio da Alvorada, o “Ruim/Péssimo”, com 43% superava os 33% de “Ótimo/Bom”. Mas, desde então, o presidente foi baixando a guarda e isso ajudou a esfriar os ânimos contrários. O resultado de agora foi a melhor avaliação desde a sua posse, em 1º de janeiro de 2019.

Houve comemorações nas hostes bolsonaristas, quando se compara a aceitação de Lula no mesmo período de tempo do seu primeiro governo. Em agosto de 2004, Lula tinha aprovação de 35% para “Ótimo/Bom“ contra 17% de “Ruim/Péssimo”. Lula no 2º governo teve aprovação de 55% em agosto de 2008 e só 11% o julgavam “Ruim/Péssimo”.

Essa popularidade facilitou a eleição do “poste” Dilma Roussef, em 2010 e o índice de popularidade do governo continuou a subir com recorde de 67% em agosto de 2017 contra apenas 7% que consideravam seu governo “Ruim/Péssimo”. Isso não impediu a onda de protestos que varreu o Brasil em junho de 2013. Mesmo abalada, Dilma se reelegeu em 2014.

Mas ao não respeitar as “nuvens”, fazendo no 2º mandato tudo ao contrário que prometera, Dilma nem chegou a se submeter a uma pesquisa em agosto de 2016. Sofreu impeachment em 16 de abril do mesmo ano, pelo conjunto da obra, quando o país já amargava o 2º ano de recessão. Em agosto de 2016, Michel Temer já era presidente efetivo.

Mas vale recordar a mudança do céu de brigadeiro prometido pela “mãe do PAC”, que tinha reduzido as tarifas de energia em 2015 e congelado câmbio, juros e outros preços públicos como passagens de ônibus e combustíveis. As tarifas públicas, que ficaram praticamente congeladas desde as jornadas de 2013, foram liberadas logo após o resultado do 2º turno, em 26 de outubro. Os juros básicos (taxa Selic, já subiram a partir de 29 de outubro de 2014 e a gasolina e o diesel subiram em 7 de novembro. No ano seguinte a gasolina subiu 29% e a energia elétrica, 54%. O dólar disparou 52%. A inflação foi nas nuvens e o desemprego disparou sob a maior recessão (-3,5% em 2015 e -3,3% em 2016), até a chegada da pandemia do Covid-19 derrubar todos os recordes anteriores.

Cito o caso específico de Dilma para mostrar como tudo muda na política e na reação dos seres humanos. Nesta crise sem precedentes da pandemia da Covid-19, mais do que nunca se manifesta a “parte mais sensível do corpo humano: o bolso”. Quem gostava de citar isso, no longínquo 1982, quando o Brasil vivia também uma recessão, era o então ministro do Planejamento, Delfim Neto. Será que Bolsonaro, contaminado pela Covid-19, resolveu ficar calado e virou poeta e, por isso, a popularidade voltou? É óbvio que não.

Uma olhada rápida na distribuição da participação do Bolsa Família na renda das famílias pelos estados brasileiros dá para entender por que a popularidade do governante melhorou. Quando a União irriga as regiões do Brasil com dinheiro público, a popularidade melhora e os votos caem na urna. Getúlio Vargas ficou popular com a Consolidação das Leis do Trabalho e o salário mínimo. No passado longínquo, o general Médici, ao tomar conhecimento direto da pobreza trazida pela seca do Nordeste (que vem desde antes de o Imperador Pedro II, o 1º a cogitar da transposição do São Francisco), disse sua frase lapidar, em pleno “milagre brasileiro” que a propaganda oficial tronitruava nas rádios e TVs): “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.

E instituiu um programa de renda mínima – o Funrural, com pagamento de meio salário mínimo para o agricultor se sustentar no período da seca que o impedia de ter alguma renda para subsistência (no governo Geisel, o Funrural foi usado pelos fazendeiros de São Paulo e Paraná para amparar os colonos que trabalhavam em regime de meia ou terça nas lavouras de café, destruídas pelas geadas de 1975 e ampliada Brasil afora. Isso arrombou os cofres da Previdência, o que foi amplificado na Constituinte, quando toda ajuda oficial passou a ter o salário mínimo como piso).

Ato contínuo, o mais representativo governo do regime militar, o do general Médici, lançou programas de conquista da Amazônia mediante o assentamento de colonos nordestinos nas agrovilas que seriam criadas ao longo da Transamazônica e da Perimetral Norte, que cortariam a Amazônia ao sul e ao norte do Pará e Amazonas, partindo do Ceará e contando Piauí e Maranhão. Como se sabe, deu tudo errado. As duas rodovias nunca chegaram ao fim. Desassistidos, os colonos passaram as terras adiante, mas foi a origem da destruição mais acelerada da floresta tropical no Maranhão e Sudeste do Pará, onde surgiu o garimpo de Serra Pelada. Como não tinha eleições livres, mas sim censura à imprensa, a “popularidade” do governo era alta.

Depois que o garimpo foi fechado, já no final do governo Figueiredo (a área pertencia à então estatal Companhia Vale do Rio Doce, como extensão da província mineral de Carajás), os milhares de garimpeiros se espalharam por toda a região poluindo rios e matando a vida animal com o uso indiscriminado de mercúrio para separar o ouro com e criando enormes crateras de devastação na floresta. Tudo o que Jair Bolsonaro pretende acelerar em seu mandato... Poderia usar a vertente militar do Marechal Rondon, cujo lema era “morrer se preciso for, matar um índio, nunca”. Mas preferiu bater continência a Médici, a quem reverenciou recentemente em sua terra natal, Bagé (RS), na inauguração de uma escola cívico-militar...

Antes do Bolsa Família (reformatado no 1º governo Lula quando houve a fusão do Bolsa Escola, do governo Fernando Henrique Cardoso, e de outros programas assistenciais criados no governo Sarney (como o Vale Gás e o Vale Leite) e antes mesmo da redemocratização, os rincões do interior, e sobretudo do Norte e Nordeste, eram redutos eleitorais dos velhos coronéis aliados ao governo (na Arena e no PDS). O governo, vale dizer, o INSS, era o grande pagador através do Funrural, que ganhou o apêndice do Bolsa Família. No governo FHC, d. Ruth Cardoso, com o Comunidade Solidária, com representantes da cidadania local, queria tirar a máquina política do controle de mais verbas públicas. Eleito pelos grandes centros urbanos em 2002, Lula percebeu, após o fiasco do “Fome Zero”, cujo lema era “ensinar a pescar em vez de dar o peixe”, que fisgaria melhor o eleitor pelo bolso. Unificou os vales e o Bolsa escola no Bolsa Família e fez pontes com as prefeituras do interior, dando-lhes poder para indicar as famílias aptas a receber o benefício.

Foi assim que se reelegeu e elegeu e reelegeu Dilma (lembro que em 2014, na região Serrana do estado do Rio de Janeiro, pessoas diziam que iam “votar em Dilma porque Aécio vai nos tirar a aposentadoria”, imagina o que se falava do Bolsa Família). Mas Dilma, que nunca foi boa de negociação política, enfiou os pés pelas mãos na condução da economia e virou história. Mas os ecos do PT ficaram no interior. Jair Bolsonaro se elegeu com os votos dos centros urbanos e rejeição maciça dos eleitores do Sul e do Centro-Oeste ao PT. No Norte e Nordeste, a influência do Bolsa Família explica porque o PT resistiu no Maranhão, na Bahia, no Ceará, em Pernambuco e no Pará.

Com a pandemia e a necessidade do Auxílio Emergencial, o governo virou o grande patrão do interior ao usar a base do Bolsa Família que pagava em torno de R$ 200 por família - e seria este o teto inicial do AE proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O Congresso queria ampliar para R$ 500. Bolsonaro, inspirado no seu ídolo, Donald Trump, que fixou em US$ 600 a ajuda oficial, bateu o martelo em R$ 600. Triplicou a renda do Bolsa Família e o número de pessoas alcançadas. A diferença para o plano do Tio Sam é que lá são US$ 600 semanais (R$ 3,252 ao câmbio de 6ª feira, 14 de agosto). Trump quer reduzir imediatamente o gasto. Aqui se discute a redução, mas como o Auxílio Emergencial explica o aumento da popularidade, as pessoas estão esquecendo o Bolsa Família e podem aceitar um novo nome para o auxílio. Se ligar o bolso a Bolsonaro, seria mais de meio caminho andado. O problema é fazer a transição com redução de valor, enquanto a economia (e o emprego) ainda não engrenarem...

Sobre os números da Covid-19

Para não assumir a responsabilidade pelos sinais contrários ao isolamento, que era orientação da OMS, seguido pelos dois primeiros ministros da Saúde, o governo Bolsonaro evita citar os números totais de contaminados (3.275.520 até dia 14 de agosto) e os 106.523 óbitos, para uma população de 210,8 milhões de habitantes. Prefere falar nos 2.384.302 de recuperados que seriam a maior cifra do mundo. Não é verdade.

No momento em que o mundo acumula 21,173 milhões de casos, com 765 mil mortos pela Covid-19, as estatísticas são lideradas pelos Estados Unidos, com 5,403 milhões de contaminações, 2,733 milhões de recuperados – quase 350 mil a mais que o Brasil), 170,6 mil mortos e 2,500 milhões casos ativos ou em tratamento. A alegação do governo é que como os EUA têm 329 milhões de habitantes, a estatísticas é menos negativa para o Brasil. Discussão matemática boba que não trará conforto às milhares de famílias dos que se foram ou ainda padecem da Covid-19. Para começar, a testagem brasileira esconde os números reais de infectados e/ou recuperados. Proporcionalmente às populações, temos menos caso que Reino Unido, Itália, Espanha e Bélgica.

Mas os números crescentes da populosa Índia (1.380 milhões) podem deixar de lado essas medições. Até dia 14, o país de Gandhi tinha 2.565.755 de contaminações, com 50 mil mortos, 1.843.756 de pessoas recuperadas e 672.358 casos ativos. Mas nos últimos sete dias foram 437.581 novas contaminações no país asiático, contra 371.579 nos Estados Unidos e 313.078 no Brasil, segundo a Johns Hopkins University.