No último domingo, aconteceu a tradicional (e algumas vezes sonolenta) cerimônia de entrega do Oscar para os melhores da indústria cinematográfica. Ainda que tenha perdido força nos últimos anos, não deixa de ser uma importante confraternização, reunindo grandes atores, atrizes e profissionais do cinema. Assisti aos principais filmes indicados e, naturalmente, estava na torcida por "Green book - O guia", filme que conta a história da amizade entre o motorista "fanfarrão" Tony Lip e o músico de jazz Donald Shirley. Para minha surpresa (e acredito que para a maioria), o filme faturou o prêmio mais importante da noite ("melhor filme") e ainda presenteou Mahershala Ali, que interpreta o músico, com o seu segundo Oscar de "melhor ator coadjuvante".
Mas quem foi Donald Shirley no universo do jazz? Donald Walbridge Shirley foi pianista e compositor americano de música clássica e de jazz. Filho de jamaicanos e nascido na Flórida, em 1929, Shirley desde muito novo foi um prodígio no piano. Aos nove anos, já era convidado para estudar teorias de música clássica. Com recém-completados dezoito anos realizou o concerto menor de Tchaikovsky com o Boston Pops. Extremamente inteligente, Donald chegou a abandonar a música por um tempo, estudando psicologia e artes litúrgicas na faculdade de Chicago.
Na década de 1950, Don voltou a tocar e desenvolveu sua ligação com o jazz, através de referências da música clássica, criando um estilo único. Ele gravou diversos álbuns com o selo da Cadence Records, emplacando singles como "Water Boy" e álbuns como "Piano perspectives", além de ter feito amizade com grandes nomes do Jazz como Duke Ellington. Versões tradicionais como "Blue skies", por exemplo, ganharam brilhantes variações dentro do mesmo tema.
Como retratado no filme, Don fez diversas turnês em estados sulistas americanos, numa época onde o racismo era disseminado fortemente. Ele acreditava que a força de sua música poderia romper a barreira racial. Com mais de 40 discos entre o jazz e a música clássica, Don tem uma rica discografia. Seus trabalhos em trio, com baixo e violoncelo, são os que mais me chamam a atenção, em especial o álbum gravado em 1961.
Apesar de tudo, sua relação com o jazz era de amor e ódio. Don não gostava de ser reconhecido como um músico jazzista. A informalidade e os shows em clubes o distanciavam do concertista que desejava ser. Até a abreviação do nome, sugerida por Archie Bleyer, fundador da Cadence Records, lhe trazia essa incômoda lembrança (sem falar na tradição dos jazzistas de pousar o copo de whisky em cima do piano, que lhe causava repulsa). Assim, nunca abandonou sua verdadeira paixão, a música clássica. Tanto é que, anos depois, ele voltou aos concertos, fazendo Gershwin no La Scala, em Milão, além de gravações inéditas com a Filarmônica de Nova York.
Don Shirley faleceu em abril de 2013, em Nova York. Sua música deixou um legado incrível aos amantes do jazz e da música clássica. Agora, sua luta contra o racismo também está eternizada e premiada nas telas dos cinemas.
BEBOP
Do outro lado do azul Nesta semana, a trompetista espanhola Andrea Motis lançou dois singles de seu novo álbum, "Do outro lado do azul", nas plataformas digitais. O disco homenageia a música brasileira (que Andrea sempre declarou ser uma paixão), e as primeiras faixas são "Antonico", de Ismael Silva, e "Saudades da Guanabara", de Moacyr Luz. O álbum completo sai no dia 1º de março.